Seis alunos da graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) podem ser expulsos da instituição devido à ocupação do Centro de Artes e Comunicação (CAC) no segundo semestre do ano passado. As ocupações em escolas e universidades no fim de 2016 foram uma resposta aos ataques à educação pública realizados pelo governo de Michel Temer (PMDB), como a Proposta de Emenda Constitucional do congelamento do orçamento público para investimento em setores como saúde e educação (PEC 241 ou PEC 55), a Reforma do Ensino Médio (MP 746) e o Programa Escola Sem Partido. A sugestão de expulsão foi feita por uma comissão de inquérito formada por servidores públicos da universidade, instalada em janeiro deste ano para apurar o contido no processo administrativo número 23076.052.920/2016-09.
Segundo o relatório, no objeto de denúncia, consta que foi realizada vistoria por parte de servidores da UFPE, na qual foram verificados danos patrimoniais, estimados em R$ 100 mil, ainda que não sejam apresentados no documento os números de tombamento dos equipamentos considerados faltosos. Ao final do relato, a comissão recomenda, conclusivamente, ao gabinete do reitor Anísio Brasileiro, a aplicação da sanção disciplinar de exclusão da UFPE a seis discentes que teriam participado das mobilizações na universidade.
Em nota oficial intitulada “Contra a criminalização do direito de lutar”, o Movimento Ocupa UFPE, formado por coletivos e movimentos estudantis envolvidos nas ações, afirma que o parecer da comissão entendeu pela expulsão sem quaisquer provas ou documentos e sem a individualização das acusações, ou seja, “meramente por associá-los às ocupações e danos ao patrimônio público”. “Essa política, portanto, se alinha à política do judiciário brasileiro como um todo, que atua ativamente na criminalização dos movimentos sociais, sindicais, estudantis e lideranças populares”, reforça o documento. A nota é assinada por quase 150 entidades representativas dos estudantes de Pernambuco e de todo o Brasil.
Resistência às medidas impopulares
As ocupações de escolas e universidades ocorridas em 2016 foram protagonizadas por estudantes engajados na defesa da educação pública brasileira e em oposição às primeiras medidas do governo Michel Temer, que já apontavam para o desmonte dos direitos historicamente conquistados pelo povo brasileiro. Em todo o Brasil, mais de mil escolas e cerca de 60 universidades estiveram ocupadas pelos estudantes em protesto neste período.
Na UFPE, além das pautas que nacionalmente impulsionavam as ocupações, também eram pontos de reivindicação estudantil: a melhoria da universidade, a homologação do Estatuto da Paridade da UFPE, a necessidade de uma melhor política de assistência estudantil, a descriminalização das lutas na universidade, a mobilização contra os casos de perseguição a estudantes e contra os cortes de 700 bolsas de alunos da universidade.
Segundo João Ricardo, um dos alunos da instituição envolvidos no processo administrativo, a ocupação conseguiu paralisar o calendário acadêmico formal para dar espaço a discussões necessárias sobre a importância das políticas públicas para a educação e sobre os retrocessos das medidas implementadas por Temer, como os cortes dos recursos públicos e a reforma dos currículos das escolas, excluindo disciplinas fundamentais à construção do raciocínio crítico.
Ainda de acordo com João, a rotina nas ocupações girava em torno das atividades desempenhadas por diversas comissões formadas pelos ocupantes, que socializavam as tarefas coletivas, como refeições, limpeza dos centros, patrulha dos corredores, debates, atividades culturais, entre outras. “Ganhamos a experiência de ocupar nossas instituições públicas de ensino e, especialmente nós que de fato ocupamos, ganhamos o ‘saber como’ se dá a elaboração, a produção e a execução de atividades, ao mesmo tempo educativas e culturais”, reitera.
Para Rosa Amorim, outra estudante que participou das ocupações da UFPE e que agora também sofre risco de expulsão, a ocupação do ano passado foi uma importante resposta de que a juventude não vai ficar parada diante das reformas colocadas contra o povo brasileiro pelo governo Temer. “As ocupações representaram, justamente, essa resistência e essa capacidade de luta da juventude em querer transformar a sua realidade”, explica.
Na avaliação da aluna, o movimento estudantil teve um papel imprescindível para a organização das ocupações, porque ele não só dava o caráter político ao movimento – colocando a questão das reformas como central – mas também porque desempenhou o papel de impulsionar novas ocupações, de expandir o movimento. Dessa forma, as mobilizações contaram com o apoio da maioria dos estudantes da universidade que, por mais que muitos não ocupassem de fato, ainda assim somavam forças participando dos espaços e prestando solidariedade, por quererem participar da luta.
Rosa relembra que, durante o processo da ocupação, a reitoria se mostrou aberta para dialogar com os estudantes, promovendo espaços de conversa sobre as causas e motivos da movimentação, o porquê da ação e buscando negociar a desocupação: “Nessas conversas com o reitor Anísio Brasileiro, ele escreveu uma carta, um documento, falando que nenhum aluno sofreria nenhum processo administrativo por conta das ocupações. A gente conseguiu as vitórias que foram: arquivar os processos das outras ocupações e a garantia da reitoria de que ninguém iria ser processado pelo fato de estar apenas lutando pela educação”.
No entanto, cerca de um mês após o fim da ocupação, os estudantes foram surpreendidos com o processo instaurado pela universidade contra seis estudantes, pelos danos ocorridos na ocupação do CAC. “Nós, estudantes, não estávamos ocupando para depredar aquele espaço. Ao contrário, fazíamos a ocupação justamente pela melhoria da universidade. Então, a ocupação, a todo momento, é contra qualquer tipo de depredação, de roubo, de furto. A mesma reitoria que abre para diálogo e que chama os estudantes, é a mesma que agora coloca esses estudantes como responsáveis pelos danos e pelas causas do que aconteceu após a desocupação”, conclui.
Defesa dos estudantes critica pontos do relatório
O advogado André Barreto, que está a frente da defesa de cinco dos jovens e integra a Frente de Juristas pela Democracia, vê a sugestão da comissão por expulsão dos estudantes como uma medida extrema e que criminaliza as mobilizações realizadas pelo movimento estudantil. “A ideia de criminalização não se dá só no âmbito criminal penal, mas ela também acontece com instrumentos amplos de penalização, formas que cerceiem a liberdade política do estudante militante ou do movimento. Então esse caso é um exemplo de criminalização no âmbito administrativo”, explica.
Ainda segundo André, não há no relatório indícios que comprovem a conduta indisciplinar específica ou individual de qualquer um dos estudantes autuados que estão respondendo pelo processo: “A formação da comissão, a abertura do inquérito para apurar e serem indiciados apenas aqueles estudantes que se colocaram para dialogar com os representantes da universidade é justamente uma amostra clara de criminalização e de presença do Estado de exceção no Brasil”.
Em relação aos danos patrimoniais de R$100 mil, que envolveriam depredações, arrombamentos e furto de equipamentos e material acadêmico, o advogado declara que também é uma questão que pode ser apontada como ilegalidade do processo. Primeiro, porque não se apresentou o número de tombamento de cada um dos bens ou equipamentos, requisito necessário formal no Direito para destacar um bem público. Segundo, porque não é trazido expressivamente no relatório como a comissão chegou ao valor calculado. “A individualização de cada bem nunca foi apresentada, nem o valor individual de cada um deles. Esse valor de R$ 100 mil é meio arbitrário, não é demonstrado no processo como se chegou a essa quantia. Então, assim como é necessário individualizar a conduta dos estudantes, para dizer quem cometeu tal infração disciplinar, é necessário também individualizar o bem que foi alvo dos danos”, finaliza.
Em nota, a Assessoria de Comunicação da UFPE informou ao Brasil de Fato Pernambuco que o relatório da Comissão de Inquérito que recomenda a expulsão dos alunos está, no momento, na Procuradoria da UFPE para análise sob o ponto de vista jurídico. Em seguida, ele irá para o Gabinete do reitor para ser concluído o processo, o que deve ocorrer até meados de outubro.
Edição: Vinícius Sobreira