O Brasil tem cerca de 5 mil comunidades remanescentes de quilombos espalhadas por todas as suas regiões – a metade delas ainda não é reconhecida pelo governo federal. A maior parte luta pela titulação de suas terras, ameaçadas pela expansão do agronegócio e pela sobrevivência de sua cultura.
Apesar de não receber cobertura da grande mídia e de serem pouco conhecidas até mesmo em suas regiões, essas comunidades têm criado uma série de ações para a divulgação de sua cultura e a discussão de temas que ameaçam sua existência.
Uma dessas ações foi realizada no final de agosto na comunidade quilombola Paiol de Telha, localizada na zona rural de Guarapuava (PR). O “Encontro de Identidades, Resistências e Ancestralidades” reuniu professores de escolas públicas e estudantes universitários, que participaram oficinas de dança, música e sobre religiosidade.
As oficinas foram realizadas por convidados e pelos moradores que integram pelo Paiol das Artes, um grupo de jovens que atua em atividades de música, teatro e dança. Os participantes também fizeram rodas de conversa com as lideranças da comunidade, discutindo principalmente a luta pela terra e a preservação da cultura.
Para a quilombola Isabela Cruz, professora de história e acadêmica de Direito da UFPR, o encontro é importante para divulgar a cultura da comunidade e debater os problemas que enfrenta. Isabela afirma que a região, dominada economicamente por descendentes de alemães, valoriza as manifestações dos imigrantes europeus, e dá pouca importância à cultura afro-brasileira.
Em sua opinião, a cultura quilombola ainda não é reconhecida. “À medida que as pessoas vão conhecendo, perdem o medo”, afirma. “O que a gente quer mostrar é que os quilombos não estão parados no tempo e que as dinâmicas são muito maiores”.
Para Isabela, a falta de conhecimento gera preconceito. Um dos objetivos dos encontros é mostrar a história da comunidade e suas lutas. “Quando conhecemos nossa própria história, nos tornamos mais conscientes socialmente. E esta é a proposta do grupo de jovens que integra o Paiol das Artes”.
Ela afirma ainda que a proposta é para trazer os visitantes não só para fazem pesquisas acadêmicas. “A gente quer que as pessoas venham, sintam, pisem no chão e passem as dificuldades que as comunidades passam”, explica.
O encontro incluiu também uma visita dos professores e estudantes à fazenda Fundão, ocupada por famílias do quilombo que tentam reaver a área por meio da reforma agrária. A fazenda pertencia a herdeiros de ex-escravos que a receberam de herança da antiga proprietária, Balbina Francisca de Siqueira, em 1860. Na década de 1970, foi expropriada pela cooperativa Agrária.
Um dos líderes da comunidade, João Maria Soares, conta que sua família foi expulsa da área em 1975, quando tinha 15 anos de idade. Segundo ele, as famílias que ocupam a área passam por uma série de dificuldades, pois estão instaladas em barracos de lona.
Apesar de o processo de desapropriação da área ter sido aprovado, a regularização da área depende ainda de um acordo entre o Incra e a cooperativa Agrária.
*Jornalista e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
Edição: Ednubia Ghisi