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Eu te amo, mariposa

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Tu me dizia “eu te amo, Mariposa”, grave, naquele teu jeito de locutor de rádio A.M
Tu me dizia “eu te amo, Mariposa”, grave, naquele teu jeito de locutor de rádio A.M - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Pra nós, Coração, tu entende, todo fim é a noite da Boa Vista em que tu me falta

“Sabe os filhos que você quer ter? Eu seria pai de todos eles” – ouvi um dizer ao outro, Coração, juro, desse jeito mesmo, cena de cinema na esquina do churrasquinho, faltava só a música de fundo, como é?, sim, uma trilha sonora bem romântica, pensei nos discos de Altemar Dutra de Tia Carmela, sério, ele disse tão bonito que eu quase cantei “Contigo Aprendi” segurando a garrafa de Brahma e o espetinho de frango do cliente; mas tão bonito que chega apagou o cheiro de foda, fossa e cachaça dessa cidade, ainda mais aquela confusão dos meninos brigando pelo pote de cola defronte do posto de saúde do Pátio de Santa Cruz. Na hora, Coração, imaginei tu me dizendo aquelas palavras, verdade, tirei todas elas da boca dele e pus na tua, a gente no teu apartamento do sétimo andar do Edifício Ambassador, isso, como em 1974, lembra?, nenhuma vivalma na madrugada da Conde da Boa Vista, eu usando o vestidinho de tafetá com renda branca de florzinha que eu trouxe de Pesqueira, escondido de minha mãe, recorda?, ah, Coração, na minha imaginação, tu me prometia uma multidão de menino e eu não dizia nada, isso, absolutamente misteriosa, mocinha de filme preto e branco no Cinema São Luiz, apenas dedicava meus olhos aos teus, um bolero argentino velho, e tu me beijava só com um pouquinho de língua porque não cabe muita safadeza num momento desses, concorda?, somente romance e uma mordidinha tua em minha orelha esquerda enquanto tu me dizia “eu te amo, Mariposa”, grave, naquele teu jeito de locutor de rádio A.M. “Sabe os filhos que você quer ter? Eu seria pai de todos eles”. Depois, Coração, talvez eu não consiga explicar, mas o rapaz se calou, deu as costas e atravessou a avenida com as mãos dentro dos bolsos no momento em que o Recife se atrasava no “boa noite” constrangido da resposta do outro que subiu devagar numa bicicleta e sumiu na cidade suada, triste e suja, Coração, como é sujo a merda desse cemitério em que tua mulher, tua sogra e teus cinco filhos te enterraram, mas nunca te visitaram, sem que eu pudesse, pelo menos, carregar a alça do teu caixão. Tive a impressão de que, para os dois, aquele era o fim. Para nós, Coração, tu entende, todo fim é a noite da Boa Vista em que tu me falta.

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