Me recordo daquele dia 21 de outubro de 2007 como se fosse hoje.
Eu estava acompanhando naqueles dias a ocupação da reitoria da UFPR, que acontecia também em outras universidades do país. Era uma noite, em meio a uma plenária, e meu amigo Thomas, militante da Federação de Estudantes de Agronomia (Feab), entrou no salão abatido e foi logo explicando: “O Keno foi assassinado”.
Após uma reocupação do campo de experimentos da transnacional Syngenta Seeds, por 150 trabalhadores da Via Campesina, 40 homens de uma milícia armada, identificada por coletes como empresa de segurança NF, contratada pela Syngenta, atacou o acampamento. Valmir Mota de Oliveira, o Keno, foi executado à queima-roupa.
Mais seis trabalhadores foram feridos. No caso mais grave, Izabel do Nascimento ficou cega do olho direito e teve os movimentos de um braço prejudicados. O segurança Fábio Ferreira também foi morto durante o episódio.
Keno tinha 34 anos, deixou esposa e três filhos. Do Paraná para o Brasil, ele deixou a marca de “brigadista”, como recordou à época o dirigente do MST no Paraná, Roberto Baggio. Rodou as estradas do Sergipe, Maranhão, Bahia. Viveu 10 anos em Brasília, onde conheceu sua esposa, Íris.
Eu não o conhecia. Mas não demoraria muito para seguir suas pegadas. Logo fui enviado pelo jornal Brasil de Fato para o local do crime. Na cidade de Santa Tereza do Oeste, perto de Cascavel, entrei na guarita que foi alvejada por tiros, de onde militantes pularam para fora das janelas como podiam. Acompanhamos a perícia, as místicas do movimento em homenagem ao militante, a comoção e a repercussão do caso.
Entre tantas questões naqueles dias turbulentos, uma das que mais me marcou foi também o impacto da posição da mídia sobre o caso.
Numa manhã quando visitamos um parente de integrante do MST atingido pelo ataque, em um bairro da periferia de Cascavel, logo veio o incômodo. Enquanto o parente de um atingido por aquele massacre chorava em casa, a TV ligada na sala, em um canal de uma emissora local, atacava o MST e se dedicava apenas a falar sobre a família do miliciano morto durante o ataque da NF.
É certo que Cascavel é um polo da comunicação do Paraná marcado pelo conservadorismo e vínculo entre mídia e agronegócio.
Outra coisa que assombrava era a exposição a que muitos líderes sem-terra estavam expostos naquela terra de ninguém e contratação de jagunços – ou seguranças particulares, como se queira chamar. Assim como hoje em dia, a criminalização dos movimentos sociais do campo, que seguiam no enfrentamento ao agronegócio, era forte e outras lideranças haviam sido perseguidas e assassinadas.
Olhando para trás, guardo recortes dos jornais publicados naquele período, o que foi importante, porque o google já não oferece tantas notícias sobre o caso e sobre a sua vida, que certamente merece mais registros. Porém, ao ser o tema da 16ª Jornada de Agroecologia, sabemos: Keno não morreu. Virou semente, hoje e permanente.
Edição: Ednubia Ghisi