Quem mora perto de grandes plantações sabe que o som de uma avião sobrevoando baixo é sinal de veneno que vai chegar. Os casos de contaminação por causa da pulverização aérea de agrotóxicos são mais comuns do que se imagina, apesar de serem pouco denunciados.
Por essa razão, um coletivo de entidades e de organizações que estudam os impactos dos agrotóxicos construiu um mapa colaborativo para identificar a ocorrência desse tipo de situação no Paraná. No país, o estado é o 3º com maior consumo de agrotóxicos, segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
O mapa impresso foi construído com a ajuda dos participantes da 16ª Jornada de Agroecologia, realizada na cidade da Lapa (PR), entre quarta-feira e sábado. As pessoas marcam no mapa os pontos onde ocorreram as contaminações, e preenchem um formulário com mais informações. Mais de 60 casos foram identificados durante a Jornada, como explica o estudante de Geografia Daniel de Oliveira, que ajudou a pensar a ferramenta: "Um dos casos muito recorrentes é a perda de árvores frutíferas como o mamão. O chuchu tem se mostrado um grande indicador de contaminação também. Outros elementos como morte de animais silvestres, como Lontras e capivaras, também já apareceram".
O agricultor Lucas Carvalho ajudou a identificar no mapa uma área que está sendo contaminada pela empresa Nortox, empresa que produz herbicidas e outros agrotóxicos, no distrito de Aricanduva, na cidade de Arapongas, no norte do Paraná. A empresa está localizada em uma área de manancial, que abastece as cidades da região."Tem casos de contaminação do lençol freático e da população local", conta.
Os dados coletados no mapa vão ajudar na construção de uma denúncia que vai ser encaminhada ao Ministério Público do Paraná. Em breve, o mapa também poderá ser alimentado durante todo o ano, por um sistema que ainda vai ser desenvolvido pelo coletivo.
Debates
Os dados trazidos pelo mapa foram apresentados no seminário 'Contra os agrotóxicos e pela vida no campo e na cidade', realizado na sexta-feira (22), durante a 16ª Jornada de Agroecologia do Paraná. Durante a atividade, as pessoas destacaram a necessidade de refletir sobre alguns aspectos que estão relacionados aos casos registrados no estado.
Advogada popular da organização Terra de Direitos, Naiara Bittencourt avalia que a contaminação por agrotóxicos é uma das táticas utilizadas pelo agronegócio para esgotar os recursos naturais de áreas que poderiam ser usadas por indígenas, povos e comunidades tradicionais e expulsar essas populações. Afinal, como lembra ela, essas substâncias surgiram durante a Primeira Guerra Mundial, para serem usadas como armas químicas. "Os conflitos no campo tem armas mais veladas. E agrotóxico é uma forma de minar essa população", argumenta.
Caso semelhante ocorre na comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha, na cidade de Reserva do Iguaçu (PR). Moradores do local denunciaram a órgãos ambientais - como a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) - a contaminação de agrotóxicos no território quilombola. Fazendeiros que estão em posse da terra fazem a pulverização desses venenos nas áreas próximas às casas dos moradores e às nascentes de água da comunidade.
"A questão dos agrotóxicos no Brasil é uma questão de terra, é uma disputa agrária. Superar a contaminação é também avançar na distribuição de terras no Brasil", avalia a advogada popular.
Durante o seminário, o promotor de Justiça do Núcleo de Meio Ambiente do Ministério Público do Paraná, Alexandre Gaio, reforçou a necessidade de notificar os órgãos ambientais dos casos de contaminação no estado. Denúncias devem ser encaminhadas para secretarias municipais de meio ambiente, Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Polícia Militar Ambiental e órgãos como o Ibama (nos casos que envolvem áreas federais). O Ministério Público também pode ser notificado, para garantir que as instituições façam a avaliação dos casos e tomem providências para solucionar os problemas.
O promotor reforça a necessidade de a população acompanhar o andamento dessas denúncias, para garantir que sejam encaminhadas de forma efetiva. "O poder público é muito omisso em cumprir esse papel. É preciso um controle social para denunciar, acompanhar e exigir devolutivas", afirma.
Edição: Mauro Ramos