A estratégia da Odebrecht, de fortalecer tanto oposição quanto governo, não se aplicou nas eleições nacionais dos anos 1990, de acordo com levantamento inédito do financiamento legal de campanha, feito para The Intercept Brasil. Na época, os principais partidos que formaram a base de sustentação do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, PMDB e o PFL, atual DEM) arrecadaram 89% das doações oficiais da empresa para cargos federais. O resto foi dividido entre outras dez legendas.
Nas eleições de 1994 e 1998, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito e reeleito, o PSDB foi a sigla mais beneficiada pelo grupo Odebrecht nas corridas para a presidência, a Câmara dos Deputados e o Senado. Em valores atualizados, os tucanos receberam R$ 7,7 milhões. O PMDB (R$ 7,5 milhões) e o DEM (R$ 5,5 milhões) ficam logo atrás.
O restante dos repasses foi pulverizado em valores menores para PL, PTB, PPR, PDT, PPS, PRN, PPB, PT, PSB e PP. Juntos, receberam apenas R$ 2,4 milhões dos R$ 23 milhões doados pela empresa. Entre eles, há partidos que também fizeram parte do governo FHC, como o PP e o PPB.
PT, PSB e PDT ficaram com apenas R$ 371 mil – ou 1,5% do total. Como lembra Fernando Guarnieri, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, os três partidos foram os que fizeram a oposição mais sistemática ao governo no período entre 1994 e 2002. “O PPS chegou a ensaiar uma oposição, mas apoiava o Real e outras políticas do governo FHC”, analisa.
Nas eleições entre 2004 e 2014, com o PT no governo, os oposicionistas PSDB e DEM se mantiveram como destinatários de 36% dos recursos das doações da Odebrecht diretamente para candidatos a cargos federais, sem passar pela direção partidária. Juntos, eles receberam R$ 7 milhões, contra R$ 12 milhões dedicados aos petistas. O PMDB ficou com R$ 1 milhão.
É possível ver o levantamento inédito que mostra a evolução da distribuição das doações declaradas da Odebrecht entre os principais partidos desde 1994 aqui.
Nem em 1994 nem em 1998 foram encontradas doações oficiais da Odebrecht para a campanha de Lula. Nesse período, a única doação registrada em nome do grupo para o PT em cargos nacionais foi o apoio de R$ 105 mil, em valores atualizados, para a campanha de Pedro Wilson Guimarães para deputado federal por Goiás em 1994.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só disponibiliza dados de financiamento de campanha das eleições a partir de 2002. Antes disso, o único registro digitalizado é a transcrição das doações para cargos federais (presidente, deputado federal, senador) e para candidatos a governadores, feita nos anos 1990 por David Samuels, professor da Universidade de Minnesota. Os dados foram tratados e divulgados por Bruno Carazza, economista que se debruçou sobre o histórico do financiamento de campanha para sua tese de doutorado em Direito.
Todo o passo a passo do levantamento para identificar as doações registradas da Odebrecht está disponível para consulta. Os valores citados estão corrigidos pela média anual da inflação do período.
Nas campanhas de 1994 e de 1998, foram identificadas transferências da Construtora Norberto Odebrecht e de outras empresas do grupo, como a CBPO e a Odebrecht Serviços, além de um repasse em nome do patriarca Emílio Odebrecht para a campanha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1994. Em depoimento à força-tarefa da Operação Lava Jato, Emílio confirmou que também fez transferências não declaradas para a campanha do tucano.
Ainda que Lula tenha sido o único candidato à presidência agraciado com recursos da Odebrecht em 2002, quando se aproximou do empresariado e assumiu a faceta “Lulinha paz e amor”, foi só na eleição seguinte, quando ele foi reeleito, que o PT ultrapassou os demais partidos. Se levarmos em consideração as doações registradas no TSE para todos os cargos, o PT foi o partido mais beneficiado pela empresa entre 2004 e 2014.
“A partir de 2002, o PT começa a se comportar como os outros dois grandes partidos (PSDB e PMDB), que são associados ao empresariado, setor financeiro, grandes indústrias, etc. Antes, as empresas eram responsáveis por uma parcela bem menor dos recursos do PT. Era 30% em 1998. Isso vai subindo à medida que o partido se torna viável no plano nacional e se torna tão dependente do dinheiro das empresas quanto os demais”, analisa Bruno Carazza.
Enquanto esteve no comando da holding Odebrecht S.A., entre 2009 e 2015, Marcelo Odebrecht cuidava pessoalmente da distribuição dos recursos para presidenciáveis e para os principais partidos beneficiados pela empresa. Em seu depoimento, ele conta também que controlava o valor global que seria doado por meios legais, pois a empresa não queria ser vista como uma das grandes doadoras. Para o grupo, isso iria “impactar a imagem da organização”. Mas o ex-todo poderoso da empresa reconhece que “nem definia, nem procurava saber o valor total de caixa 2″.
(*) Esta reportagem foi realizada por Adriano Belisário, com a colaboração dos analistas de dados Rafael Polo e Álvaro Justen, como parte do programa de bolsas de produção da Plataforma de Jornalismo Connectas.
Edição: The intercept Brasil