Como sentar para conversar, de maneira civilizada, com alguém por quem são nutridas profundas diferenças? E como fazer isso quando se tratam de disputas políticas marcadas por diferenças ideológicas? Esse é o desafio e o exercício democrático que cabe ao governo e à oposição ao presidente Nicolás Maduro na Venezuela, em meio a uma crise que se estende desde 2013.
Nos episódios recentes, depois de quatro meses de conflito político, que teve como consequência a morte de 160 pessoas — de acordo com dados do Ministério Público — e deixou centenas de feridos, governo e oposição tentam chegar a um acordo.
Para entender esse processo, o Brasil de Fato conversou com o diplomata Roy Chaderton, que participa das tratativas com a oposição representando o governo e com o jornalista e político opositor, Vladimir Villegas, crítico ferrenho de Maduro. Os dois expuseram opiniões e falhas nos dois campos.
Diálogos na República Dominicana
A República Dominicana, país considerado neutro na questão, ofereceu estrutura e apoio político para que governo e oposição venezuelanos possam negociar uma saída para a crise política no país. O processo é mediado pelo presidente do país caribenho, Daniel Medina, e pelo ex-presidente da Espanha José Luis Rodríguez Zapatero.
Em setembro, foram realizadas duas reuniões: uma em Caracas e a outra em Santos Domingo, capital dominicana. No entanto, no último encontro, marcado na semana passada, os porta-vozes da oposição não compareceram à mesa de diálogo. Eles afirmam que os pré-requisitos exigidos do governo não foram cumpridos.
Vladimir Villegas explica quais eram essas demandas: “O governo havia se comprometido a liberar alguns presos e a regularizar a situação dos candidatos opositores diante do Conselho Nacional Eleitoral [CNE] para as eleições regionais. O governo liberou alguns presos, mas não de maneira significativa, e não resolveu a questão com CNE”.
Roy Chaderton rebate o argumento. Ele afirma que alguns opositores já foram liberados, mas destaca as dificuldades existentes nesse sentido: “O governo também tem que atender seus apoiadores. Existem pressões políticas legítimas. Como vão liberar um preso que queimou uma pessoa viva? Não é fácil. Podemos chegar a um acordo sobre isso, mas não na velocidade que a oposição quer. Porque a velocidade não é uma obrigação de Estado. Estamos falando de pessoas que têm expedientes muito graves”.
O diplomata também criticou a postura da oposição que, segundo ele, tem mantido uma atitude agressiva em relação ao governo. “Como podemos conceder todas essas exigências dos opositores, se eles vão a Washington [capital estadunidense] pedindo ao governo dos EUA que intervenha militarmente na Venezuela?”, questiona. “Temos uma oposição golpista. Desde o início do governo de Hugo Chávez houve tentativa de golpe. É muito difícil dialogar com eles”, acrescenta.
“Complexo de culpa”
Apesar das idas e vindas, oficialmente o diálogo não foi suspenso e as tratativas estão em curso, garante Roy Chaderton.
A oposição, porém, nega que esteja negociando com o governo e chama as conversas que se sucederam de “diálogos exploratórios”.
Sobre ponto, Vladimir Villegas explica o que está acontecendo: “Os líderes opositores têm complexo de culpa na hora de sentar para negociar com o governo, por isso escondem. Não assumem que querem negociar e querem uma saída política. A oposição tem necessidade de chegar a um acordo para recuperar a margem de espaço institucional que perdeu, produto da ação do governo”.
Villegas chegou a ser vice-ministro de Relações Exteriores do ex-presidente Hugo Chávez e hoje apresenta um programa de televisão de cunho político no canal TV privado Globovisión. Ele é irmão do atual ministro de Comunicação da Venezuela, Ernesto Villegas. Os irmãos, no entanto, estão rompidos devido à linha política divergente.
Contradições
“O governo hoje não quer negociar nada. Parece que quer é ganhar tempo. A única urgência que tem diz respeito à autorização para conseguir empréstimo, porque muitos países não aprovam crédito à Venezuela pela situação da Assembleia Nacional, que praticamente foi anulada. Esse é o centro da questão”, critica Villegas.
Chaderton, por sua vez, aponta os erros cometidos pela oposição por “tentar derrubar o presidente Nicolás Maduro”. “No dia da posse da Assembleia Nacional, a primeira coisa que o líder do partido Ação Democrática, Henry Ramos Allup, disse foi que o presidente Nicolás Maduro teria apenas seis meses de governo, quando faltavam mais de dois anos para terminar o mandato. Foi um erro tonto”, avalia.
O diplomata aponta ainda o fato de que os dois poderes: legislativo e executivo, ambos eleitos de forma legítima, não conseguiram conviver de forma pacífica e democrática e, diante da tentativa de derrubar Maduro. Por isso, o governo reagiu e criou outra institucionalidade, argumenta.
Saída pacífica
Villegas concorda que oposição e governo precisam chegar a um consenso, porque sem isso não haverá paz na Venezuela: “Acho que essa via da negociação é a única solução para uma saída política. Não há solução para o conflito venezuelano sem uma negociação política”.
Com mais de 20 anos de carreira diplomática, Chaderton concorda: “Oposição e governo podem chegar a um acordo. Essa é a natureza da institucionalidade democrática. Se não chegar a um acordo, quem perde é o país”.
Porém, Vladimir vai além e avalia que não basta apenas um acordo de convivência pacífica. Ele observa que é preciso chegar um consenso também em relação a outros problemas do país.
“Na medida em que não chegamos a um acordo, a maioria dos problemas se agravam. Esse é o caso do problema do câmbio da moeda. Quando Maduro chegou à Presidência, um dólar custava 25 bolívares, Hoje, um dólar custa 30 mil bolívares no mercado paralelo. Isso não se deve apenas à guerra econômica. Isso se deve a uma ausência de política econômica de Estado”, opina o jornalista.
Exigências e contrapartidas
Um dos porta-vozes da comitiva do governo venezuelano na mesa de diálogos, o prefeito de Caracas, Jorge Rodriguez, disse que o governo está preparando uma proposta sobre os pontos a serem tratados na negociação com os opositores.
Nos bastidores do governo, interlocutores afirmam que um dos pontos que pode ser considerado é a antecipação da eleição presidencial, prevista para dezembro de 2018. Outro é o reconhecimento da legalidade da Assembleia Nacional Constituinte por parte dos opositores. O tema das garantias legais sobre o processo eleitoral também está sendo debatido.
O fato de a oposição nunca ter reconhecido publicamente crimes como a morte de mais 10 pessoas queimadas vivas por manifestantes da extrema direita foi criticada pela comitiva do governo, que pede que os líderes opositores façam uma condenação pública desses crimes.
De sua parte, o governo afirma que reconheceu a responsabilidade e os excessos cometidos por militares durante protestos. Foram presos 54 militares por envolvimento em casos com vítimas fatais. O Ministério Público também anunciou, em agosto, que 80 casos envolvendo violência cometida por militares passaram a Justiça comum, o seria uma mostra da disposição de investigar e conduzir os casos com transparência.
Edição: Vanessa Martina Silva