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Todos são inocentes até que se prove o contrário? Juristas pedem que STF garanta isso

Manifesto lançado por profissionais do direito pede revisão de interpretação do Supremo que abre margem para injustiças 

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Polêmica sobre cumprimento de pena após condenação em segunda instância surgiu em 2016, quando o STF modificou entendimento sobre o assunto
Polêmica sobre cumprimento de pena após condenação em segunda instância surgiu em 2016, quando o STF modificou entendimento sobre o assunto - José Cruz/Agência Brasil

Membros da Frente Brasil de Juristas pela Democracia (FBJD) lançaram este mês o “Manifesto pela garantia da presunção da inocência”, uma articulação que pretende provocar o Poder Judiciário a consolidar esse direito. O tema atravessa o turbulento cenário político nacional, atingindo desde casos menos visibilizados até os mais midiáticos, como é o caso da Operação Lava Jato.  

De acordo com a professora e coordenadora da Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, Gisele Citadino, a relativização da presunção da inocência impõe riscos ao sistema democrático. “Nós não estamos na Idade Média, e o tempo da sociedade é diferente do tempo do Direito. Se não assegurarmos a garantia da presunção de inocência, daqui a pouco vai estar todo mundo saindo por aí e matando os outros, prendendo ou tirando outros direitos de pessoas inocentes”, avalia.

Um dos episódios recentes que levaram a mais essa mobilização da FBJD foi o recente suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Acusado de tentar obstruir as investigações de uma operação para apurar suposto desvio de verba em um programa de ensino a distância, ele foi condenado à prisão por uma juíza de primeira instância. 

A prisão ocorreu antes mesmo da convocação do reitor para prestar depoimento e foi revista pouco tempo depois por outra magistrada, o que não livrou Cancellier do rechaço da opinião pública. O caso foi apontado como sendo típico de abuso de poder e se conecta com o debate sobre a garantia da presunção da inocência. 

A discussão está ancorada no artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual ninguém pode ser considerado culpado até que obtenha uma condenação penal com trânsito em julgado, ou seja, após decisão de terceira instância. Tal entendimento havia sido consolidado em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o “estado de inocência” deveria ser mantido enquanto não houvesse a conclusão do julgamento por parte dos tribunais superiores. 

No entanto, em meio à avalanche que vem sendo vivida pelo país no último ano, esse entendimento se alterou, provocando reações de diversas ordens. Em 2016, o mesmo STF, desta vez com outra composição, reviu a interpretação do artigo, decidindo que a presunção de inocência não é comprometida se um indivíduo cumprir pena após uma decisão de segundo grau, portanto, sem uma sentença condenatória final. 

Um dos argumentos utilizados pelos ministros — e combatido pelo manifesto da FBJD — é o de que a maior parte dos julgamentos dos tribunais superiores acaba confirmando as decisões de segunda instância. Uma premissa que, para Gisele Citadino, faz com que o Judiciário caia numa perigosa generalização. 

“E naqueles casos que não são confirmados, como fica? Os indivíduos inocentes vão presos, perdem seus direitos? O Supremo não considerou que isso afeta a vida das pessoas e a legitimidade do próprio sistema de Justiça. A Justiça não serve para proteger a maioria, e sim pra proteger todos”, afirma a jurista. E acrescenta: "esse argumento do Supremo é algo que beira o fascismo". 

Para embasar a decisão, os ministros lançaram mão ainda de outro argumento que vem sendo minado pelos setores mais progressistas: a necessidade de respostas céleres do Judiciário para atender ao clamor de Justiça da sociedade. 

Por fim, a professora destaca a necessidade de uma mobilização popular para exigir a revisão da interpretação do artigo 5º da Constituição. Com base nesse horizonte, os juristas da FBJD pretendem colher assinaturas para engrossar o coro do manifesto lançado este mês. Na sequência, o grupo deve apresentar o documento ao STF, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Congresso Nacional.

Edição: Vanessa Martina Silva