Se ninguém quer saber da política para quem ela fica então?
“Ninguém presta”, “todo mundo só quer levar vantagem”, “o poder corrompe”, “tinha que atirar uma bomba em Brasília e começar tudo de volta”, “são todos uns corruptos”...
Você possivelmente já deve ter ouvido – ou até feito – comentários como estes. Ou então visualizou inúmeras imagens nas redes sociais que dão conta desse descontentamento. Queria ressaltar que esse tipo de argumento é perigoso em dois sentidos.
Primeiro porque esse discurso da descrença absoluta na política e nos políticos pode ser muito útil politicamente. Ao desacreditar na política você automaticamente faz coro com diversos políticos que firmam a sua carreira alegando não serem políticos.
Basta citar o exemplo do prefeito da cidade de São Paulo, João Doria, cuja campanha foi construída sob a negação da política e a exaltação da técnica. Doria é bom porque não é “político” e sim um “gestor”. Dessa forma, a política tem que ser dos bons técnica e academicamente - você já deve ter ouvido que Lula não poderia ser presidente por ter só até a 4ª série, ou que deveriam pedir diploma universitário para cargos parlamentares.
Esses argumentos fazem a política parecer algo de fora de nossas vidas, algo que não queremos saber “porque é tudo uma canalhada”. Se ninguém quer saber da política para quem ela fica então? Para aqueles que querem que a gente não se envolva mesmo.
O segundo problema desse tipo de afirmação é a ideia de que precisamos todos votar em uma pessoa honesta. Vamos lá, se hoje chegasse alguém que você confia muito e te pedisse para votar no “fulano de tal” por que tem absoluta certeza de que ele é honesto, você votaria? Não basta ser só honesto para ganhar meu voto. Qual é a política econômica que ele defende? O que ele acha sobre os cortes nos investimentos em saúde e educação? A política externa dessa pessoa manterá o Brasil numa situação subordinada aos EUA?
A forma como a corrupção tem sido tratada no Brasil tem feito dela o tema prioritário dos problemas nacionais. Parece que não tem dinheiro para saúde e educação porque os políticos roubaram tudo. Na verdade, falta dinheiro para saúde e educação porque essa é uma opção política de sangrar o orçamento primário do Estado para pagar juros da dívida pública.
Sou absolutamente contra a corrupção e acho que ela é um forte problema estrutural brasileiro. Mas além de saber se uma pessoa é honesta eu quero saber o que ela fará contra a desigualdade, a fome, o machismo, o racismo. Não brado por aí “Fora Temer” porque acho que ele é só corrupto, mas porque ele faz uma política que favorece as elites, o capital estrangeiro e uma concepção neoliberal da política econômica.
Portanto, o desafio é seguir vigilante e incomplacente com a corrupção e a desonestidade, e, ao mesmo tempo, pensar a política como algo que pertence a nós e do qual também temos responsabilidades.
Não basta sentar a bunda no sofá e mandar memes na internet. Por trás do nosso descontentamento individual pouco reflexivo, podemos estar abrindo espaço para uma parcela da direita brasileira que se forja na negação da política, embora – em essência – faça sim, muita política. Só que essa política não é para você.
*Juliane Furno é doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude.
Edição: Daniela Stefano