A fala simples do pescador sobre a tragédia do Rio Doce, o presidente escutava
O presidente Lula e o pescador começaram o diálogo às margens do Rio Doce. O pescador confidenciou que não havia nada pior do que levantar de manhã e não ter o que fazer. Sua profissão foi destruída pela lama. Contou que o conceito de danos morais que estava sendo utilizado pela empresa com ele, e com outras pessoas, estava errado porque os danos se repetiam todos os dias, há quase dois anos.
Também desabafou que o auxílio que recebe é inferior à renda que tinha como pescador. Lula perguntou qual era a expectativa que ele tinha sobre a recuperação do rio. Ele foi sincero. Afirmou que não tinha esperanças de ver o rio recuperado. Na sua experiência de pescador sabe que não haverá recuperação de curto prazo, desmentindo as propagandas que foram veiculadas pela empresa.
Pescadores, comunidades ribeirinhas, aldeias indígenas, moradores de dezenas de distritos e cidades foram atingidos pela lama da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco Mineração, que rompeu em 5 de novembro de 2015.
Quase dois anos depois, o povo ainda sofre. Não houve a recuperação de suas vidas, suas comunidades, nem a reconstrução do trabalho que era ligado ao rio, que também não foi recuperado.
Outros atingidos e atingidas pela lama do crime da Vale/Samarco/BHP também deram o testemunho, durante o segundo dia da Caravana Lula por Minas Gerais, que percorreu o Vale do Rio Doce. Não sei se todos ouviram o que o pescador Vininho falou. Foi a fala de gente simples, desacostumada de microfones. Mas o presidente escutava. E a caravana deu voz a um homem simples, despido das disputas e vaidades. Ele foi ali falar da sua vida. Vininho é uma vítima, assim como outras milhares que estão na invisibilidade que o poderes econômico e político tentam impor aqueles e aquelas que sofreram e ainda sofrem com o crime.
O relato do senhor Vininho expõe uma ferida que não cicatrizou. O maior crime sócio-ambiental do país não teve respostas dos Poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo. Um trabalho minucioso da Polícia Civil concluiu que houve crime: o alteamento da barragem foi irregular, existiam falhas nos equipamentos que mediam a quantidade de água e ausência de um plano de evacuação. Tudo isso foi constatado por meio de investigações e laudos.
Vinte pessoas morreram. Dos moradores do distrito de Bento Rodrigues – onde iniciou a devastação –, a maioria dos mortos era crianças e idosos. Dos trabalhadores, 12 dos 13 mortos eram terceirizados que estavam na barragem no momento do rompimento. Foram engolidos pela lama, sem que qualquer informação de alerta da empresa para evacuação tenha sido dada.
Os responsáveis por este crime estão livres e as empresas continuam lucrando. A Samarco aproveitou a situação para demitir terceirizados e funcionários próprios, realizando uma "economia" à custa de outras centenas de famílias.
Uma comissão extraordinária das barragens foi constituída pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais para apurar o crime. A conclusão foi a mesma da Polícia Civil: foi crime!
No entanto, por pressão das mineradoras e de empresários, o projeto de lei que está em tramitação na Casa e estabelece políticas para atingidos por barragens não avança.
A seletividade da Justiça brasileira impediu, até o momento, que os criminosos respondessem por seus atos.
Por isso, e por muito mais, a pauta da reforma do Judiciário precisa estar entre nossas bandeiras. Uma Justiça que não faz nada em relação a um policial que quebra um cassetete na cabeça de um estudante; condena Rafael Braga por ser negro e pobre e deixa livre quem cometeu o maior crime sócio-ambiental não é justiça.
Seguimos em caravana!
*Beatriz Cerqueira é professora e presidenta da CUT/MG
Edição: Vivian Neves Fernandes