Viver na beira da estrada é uma experiência dolorosa, conta Maria José, que passou um ano nessa situação com seus filhos, que tinham então 3 e 7 anos. O medo de maldades e a falta de água estavam no topo da lista de dificuldades. Morar numa ocupação urbana, junto com outras 260 famílias, pode ser cansativo, como diz Jânio Rodrigues, que está há seis meses convivendo com a falta de água e luz, em luta pela moradia digna em sua cidade. A vida num acampamento da reforma agrária é cheia de desafios, pontua Ricardo Pereira. O primeiro passo, de acordo com o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Norte de Minas Gerais, é aprender a viver de forma coletiva para superar coletivamente as adversidades.
Os três participaram do ato da Caravana Lula pelo Brasil em Montes Claros (MG), na noite de sexta-feira (27), com suas bandeiras e a convicção de que o Brasil precisa voltar ao rumo da inclusão social. Sendo uma região de muitos conflitos fundiários, o Norte de Minas convive com terrenos e terras improdutivos e abandonados e organizações populares que buscam fazer valer na luta seu direito à terra, trabalho e vida.
“Estou aqui, junto dos Geraizeiros e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) porque é preciso defender os direitos dos pobres. Porque as empresas, as mineradoras, estão destruindo a natureza, a água. Se a gente destruir tudo agora, o que será dos nossos netos daqui a 20 anos?”, questiona Valdeir Viana da Silva.
Além da preocupação com o futuro dos bens comuns, os militantes presentes se mostraram preocupados pelo futuro das pessoas. Bruno Teodoro, do Levante Popular da Juventude de Pirapora, destaca que também existe periferia nas pequenas cidades, e que os jovens querem viver bem em todas as regiões. “Queremos educação, emprego, respeito, tudo. Mas, antes disso, queremos chegar vivos em casa, especialmente as trans, gays e LGBT em geral. Mina não quer apanhar na rua”, elenca. Bruno está esperançoso com um possível governo Lula em 2018, mas afirma que a preocupação maior agora é o fortalecimento das organizações populares.
Ocupação urbana com 270 famílias corre risco de despejo em Montes Claros
Foi justamente a organização popular que atraiu Jânio Alves Rodrigues para participar de uma ocupação urbana na periferia de Montes Claros. Localizada no bairro Cidade Industrial, a Juntos Venceremos começou de forma espontânea em junho deste ano e rapidamente já contava com 270 pessoas vivendo no terreno antes abandonado.
Mas uma recente liminar de despejo, já aprovada pela Justiça, deixou os moradores alertas. Enquanto esperam a notificação oficial, realizam protestos pela cidade para cobrar responsabilidade do poder público. “Estou hoje fazendo parte do movimento e dando o grito para que o Brasil veja o tamanho da desigualdade que existe no país, para que todos se sensibilizem com a situação que vivemos. Principalmente pelas crianças, que hoje têm dificuldade de ir até para a escola, que é o básico e não está sendo cumprido”, diz Jânio, que é pai de duas das 239 crianças que moram na ocupação.
Depois de anos trabalhando como caseiro, ele começou a ter problemas de saúde, teve que fazer cirurgias e foi demitido. Desde então, não conseguiu novos trabalhos e nem conseguiu acessar o auxílio-doença. Como sua esposa também está desempregada, ele tem na ocupação seu lugar de vida e sobrevivência.
A comerciante Sônia Maria dos Santos mora na região e conta que no começo ficou com medo da ocupação, mas depois percebeu que quem estava lá, eram pessoas empobrecidas que estavam em busca do direito de ter onde morar. Ela, que também é presidenta da associação da comunidade, ajuda agora a ocupação como pode. “É muito difícil conseguir moradia aqui em Montes Claros, porque as casas populares eles dão para pessoas que já têm”, critica.
Apesar do risco de despejo iminente, há esperança de que a liminar seja revertida. “Esse é um terreno que estava parado há 40 anos, apenas para especulação imobiliária. O dono deve IPTU atrasado há pelo menos cinco anos. É uma terra grande, de 55 hectares, que não cumpria sua função social”, aponta Érica Ferreira Rodrigues, da coordenação municipal do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), de Montes Claros, que acompanha a ocupação desde setembro.
Após cinco anos produzindo em terras antes improdutivas, famílias correm risco de serem expulsas
Agonia parecida vivem as 57 famílias do acampamento Pedro Marcelo, também conhecido como Garrote, na zona rural de Bocaiúva. O acampamento também está com liminar de despejo acatada pela Justiça.
Maria José conta que eles ficaram um ano na beira da estrada, perceberam que a fazenda estava abandonada e resolveram ocupar o terreno. “Agora tenho minha casinha, meus bichos, eu planto. Nós dependemos da terra para sobreviver. Acho que se eu sair de lá, não vou ter pra onde ir e meus filhos vão ficar na rua”, conta.
Claudete dos Santos relata que lá eles produzem de tudo: hortaliças, cana, mandioca, feijão, mel; além de criarem animais. Ela também diz que não tem pra onde ir caso o despejo se confirme, e avisa: “não vamos desocupar, vamos lutar pela terra”.
*Confira vídeo sobre a luta do acampamento, produzido pela Mídia Ninja:*
O acampamento é apoiado pelo MST que para os militantes “é um movimento irmão”. Segundo Ricardo Pereira, dirigente regional do movimento, há pelo menos 1000 famílias acampadas esperando a desapropriação das terras.
Mesa de negociação
Segundo o secretário de Desenvolvimento Agrário de Minas Gerais, professor Neivaldo, o governo do estado não tem responsabilidade direta sobre essas áreas. De acordo com ele, as desapropriações na área rural são de responsabilidade do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e as de área urbana, como é o caso da Juntos Venceremos, do governo municipal de Montes Claros. Seria de alçada do governo estadual a regularização de terras devolutas.
“O governo do estado montou uma mesa de diálogo que reúne todos os entes interessados na questão para tentar resolver os impasses e impedir ou adiar as ações de reintegração de posse”, diz. Nessas mesas, são convidadas entidades como o Ministério Público, Polícia Militar, movimentos, Incra e governo. A mesa de negociação do acampamento Pedro Marcelo está prevista para a próxima semana. A Juntos Venceremos também tenta marcar uma data para mediar o conflito com a Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente.
*Com colaboração de Rute Pina
Edição: Mauro Ramos