Oito partidos opositores ao governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, decidiram não participar das eleições municipais, convocadas pela Assembleia Nacional Constituinte (ANC) para o mês de dezembro. A terceira eleição deste ano chega no momento em que a oposição enfrenta sua pior crise dos últimos dez anos, como apontam analistas, com graves divisões internas e o acúmulo de duas derrotas eleitorais: a da Assembleia Nacional Constituinte, que levou à participação de 8 milhões de venezuelanos, e as últimas eleições regionais, de 15 de outubro, quando o chavismo ganhou em 18 dos 23 estados.
O primeiro partido a comunicar a decisão foi o Ação Democrática, o maior partido da Mesa da Unidade Democrática, coalizão opositora. O presidente do partido, Henry Ramos Allup, utilizou um discurso moderado ao explicar as razões que os levaram a essa posição. "Antes de tomarmos essas decisões, nós, de todos os partidos políticos, conversamos e avaliamos os prós e contras dessas eleições. Por isso, decidimos que, para essas eleições, não é viável participarmos", disse Ramos Allup, que também é deputado da Assembleia Nacional do país.
No entanto, ele não descartou a possibilidade dos militantes dos partidos participarem do processo eleitoral, o que poderia acontecer de forma independente. "É possível que haja dirigentes ou militantes de organizações políticas que se lancem ao cargo de prefeito sem a autorização de seus partidos", sinalizou o líder opositor em um comunicado enviado à imprensa. Nas eleições para governador de outubro, o Ação Democrática tinha 13 candidatos e venceu em quatro estados.
Em entrevista coletiva, o líder do partido Vontade Popular, que também faz parte da MUD, Fred Guevara se manifestou sobre o tema na segunda-feira (30). "Não vamos participar das eleições municipais como mecanismo de denúncia e de protesto nacional e internacional", destacou. O Vontade Popular, fundado pelo politico Leopoldo Lopez, que está em prisão de domiciliar acusado de promover protestos violentos, não conseguiu eleger nenhum governador nas últimas eleições regionais. O partido tinha três candidatos, nos estados de Barinas, Carabobo e Cojedes.
Já o partido Primeiro Justiça informou que a estratégia é pressionar o governo Maduro e se preparar para as eleições presidenciais do ano que vem. "Não participar das eleições é exercer o mecanismo de pressão para conseguir boas condições para a eleição que realmente importante, a eleição presidencial", destacou o governador eleito pelo estado de Zulia, Juan Pablo Guanipa, em entrevista à Rádio Unión.
Guanipa foi o único candidato a governador eleito pelo partido Primeiro Justiça. Entretanto, o político se recusou a juramentar diante da Assembleia Nacional Constituinte, que é o poder do Estado venezuelano que convocou as eleições de 15 de outubro; assim, o cargo foi declarado vago. Em dezembro haverá uma nova eleição para governador desse estado, localizado na fronteira com a Colômbia. O partido decidiu que também não vai apresentar candidatos para o estado de Zulia.
Além dos três partidos, outras organizações menores igualmente decidiram não participar das eleições municipais, entre eles está o Avançada Progressista, o Um Novo Tempo, o Movimento Progressista, a Aliança Bravo Povo e a Causa Revolucionária. Todos alegam que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) "não oferece garantias legais e eleitorais" para a participação da oposição nesse processo.
O Brasil de Fato entrou em contato com o CNE para saber qual a sua posição diante da acusação dos partidos opositores. Por meio de sua assessoria de imprensa, o Poder Eleitoral informou que não se manifestará sobre as estratégias políticas dos partidos e que as condições estabelecidas nas eleições municipais são as mesmas das regionais, nas quais os partidos opositores decidiram participar.
Já o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse, em um discurso transmito pelo canal público Venezuelana Televisón (VTV), que os líderes da oposição realizaram reuniões na embaixada dos Estados Unidos antes de divulgarem esta decisão.
"Receberam uma ordem da embaixada 'gringa' [dos EUA]. Eles se reuniram no sábado e no domingo, e a embaixada 'gringa' deu uma ordem: 'não vão participar das eleições'. Dessa forma, quem ganhar, ganhou. Essa será a eleição número 23 [desde que Hugo Chávez ganhou a primeira eleição presidencial, em 1998]", disse o presidente venezuelano.
Maduro já havia dito, em entrevista coletiva no dia 17 de outubro, que as eleições para prefeitos iriam acontecer "com ou sem os partidos de oposição".
Divididos
Após as eleições regionais para governadores, a Mesa da Unidade Democrática, que reúne 18 partidos opositores, praticamente implodiu. Com a derrota eleitoral, os líderes do principais partidos adotaram discursos muito diferentes, trazendo à luz suas divergências e criando uma fissura que foi ampliada na medida em que os dias passavam.
Em 24 de outubro, quatro dos cinco governadores opositores, eleitos pelo Ação Democrática, decidiram reconhecer os resultados eleitorais e a legitimidade da ANC ao aceitarem realizar o juramento oficial de posse diante desse Poder Constituinte. Diante disso, o deputado da Assembleia Nacional Freddy Guevara, do Vontade Popular, classificou a postura do Ação Democrática de "traidora e rasteira", durante uma entrevista ao canal internacional CNN.
A postura do mais antigo partido venezuelano também abalou a unidade da oposição. Um dos líderes do Primeiro Justiça, Henrique Capriles, decidiu se retirar da MUD.
O analista político Luis Vicente León, diretor da empresa de pesquisa eleitoral Datánalisis, disse que a oposição venezuelana "enfrenta seu pior momento" e corre o risco de uma nova derrota. "O dilema atual da oposição é perder ou perder. Participar das eleições municipais indica que os candidatos estariam dispostos a juramentarem diante da ANC. Se participam, deveriam convencer suas bases que vale a pena reconhecer a legitimidade da ANC. Se não, deverão convencer a base que a abstenção debilitará o governo e eles têm um plano alternativo, que não existe ainda", analisou, em entrevista ao jornal La Verdad, de Zulia.
Segundo o analista, a escolha pela abstenção pode debilitar ainda mais a oposição. "Os partidos grandes serão fraturados internamente nas regiões, pois é inviável mobilizar todo mundo para a abstenção", adverte León.
Inscrições
Na segunda-feira (30), o CNE abriu o sistema eletrônico para a inscrição de candidatos. Os candidatos a prefeito têm até quarta-feira (1°) para se inscreverem. A data exata das eleições ainda não foi informada oficialmente, mas deve ser divulgada até o final desta semana, segundo informou a reitora do CNE, Tania D’Amélio, em entrevista ao canal de TV internacional Telesur.
O sistema venezuelano permite que candidatos possam se inscrever sem partido político, o que deixa a porta aberta para opositores que decidirem não seguir a orientação de seus partidos. Nessas eleições serão escolhidos 335 prefeitos, nos 23 estados venezuelanos.
Edição: Vivian Neves Fernandes