Quando o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, ameaça assumir o controle da região autônoma da Catalunha, está se tornando mais claro, mesmo para observadores casuais, quem são os bandidos neste conflito. Em geral, quando um lado é pacífico e busca o diálogo, e o outro está empenhado em resolver o desacordo através da força, da repressão e da violência - bem, vocês sabem.
O argumento do governo espanhol de que o referendo de 1 de outubro sobre a independência foi inconstitucional não é tão determinante como eles gostariam que acreditássemos. Como Vicente Navarro, que escreve faz muitos anos sobre a transição incompleta da Espanha para a democracia, observa: a Constituição de 1978 foi muito mais um produto da ditadura de 36 anos do que da democracia que estava lutando para nascer. E o Partido Popular de Rajoy (PP), em particular, tem raízes profundas nas forças políticas e pessoas que faziam parte da ditadura de Franco.
O caráter antidemocrático e a herança fascista do governo do PP tornaram-se claramente evidentes quando Rajoy enviou milhares de tropas para a Catalunha numa tentativa fracassada de impedir que as pessoas votassem. Isso não era, como afirmou, para fazer cumprir a lei: o governo espanhol poderia simplesmente ter permitido a votação e ignorar o resultado. Em vez disso, era para esmagar o movimento de independência e a expressão de suas ideias pela força, e centenas de pessoas foram feridas pela Guarda Civil. A repressão também incluiu censura sem precedentes da Internet, bem como de jornais e rádio. Se Rajoy seguir com a sua ameaça de submeter a Catalunha, veremos mais essa repressão franquista de direitos e liberdades civis básicos.
Como muitos observaram, o movimento da independência na Catalunha tem raízes profundas – remonta a pelo menos 300 anos –, e aos catalães foi negado até mesmo o direito à sua língua durante a ditadura. Mas há outro motivo, além da repressão e das transgressões à autonomia limitada da Catalunha, segundo a Constituição, que se acendeu nos últimos anos. Esse é o profundo fracasso econômico da Espanha desde a crise financeira mundial e a recessão de 2008-2009, e especialmente seu impacto sobre os jovens e os desempregados de longa duração, muitos dos quais foram deixados sem futuro na Espanha. Vale a pena analisar isso com alguns detalhes, já que a economia espanhola tem sido descrita em termos positivos desde que recuperou o crescimento econômico há quatro anos.
Primeiro, o atual estado do dano. No ano passado (desde agosto), o desemprego atingiu a média de 18%, quatro vezes a mais do que o nível dos Estados Unidos. E seria muito maior se cerca de 1,7 milhões de estrangeiros não tivessem deixado o país.
Em 2016, cerca de 43% dos desempregados estavam fora do trabalho por mais de um ano. Em termos de encontrar emprego, o Fundo Monetário Internacional (FMI) concluiu recentemente que "as perspectivas para este grupo são particularmente sombrias".
O número de pessoas que estão em risco de pobreza e exclusão social é de 27,9%.
A desigualdade aumentou dramaticamente desde 2008; a renda do 20% mais rico é agora 7,5 vezes a do 20% mais pobre, a terceira pior da União Europeia. Como observou o FMI, isso ocorre principalmente porque o emprego caiu em 20% entre 2008 e 2013, e os grupos de baixa renda foram vítimas desse colapso desproporcionalmente.
Além disso, a maioria dos novos empregos são contratos de trabalho temporários, aumentando a insegurança, mesmo para aqueles que têm a sorte de encontrar um novo emprego.
Esta não é uma imagem bonita. Mas o FMI – que representa os pontos de vista das autoridades europeias e do governo Rajoy –parece aceitar o desemprego em massa como a nova normalidade. O Fundo projeta que a economia alcançará todo o seu potencial em algum momento no próximo ano. Mas o desemprego permanecerá em torno de 16%. Em outras palavras, o desemprego de 16% é tão bom quanto se espera, que agora está sendo redefinido como "pleno emprego". E o desemprego juvenil é aproximadamente o dobro da taxa de desemprego geral. Isto é uma aberração; ninguém que se preocupa com a maioria das pessoas na Espanha e especialmente com o futuro de uma geração de jovens, deve aceitar as políticas que arruinaram a economia espanhola e continuam a restringir a recuperação do mercado de trabalho.
Claro, não precisa ser assim. O rendimento dos títulos em dez anos da Espanha é de apenas 1,6% – o mesmo que a taxa atual de inflação. Em outras palavras, a Espanha pode emprestar a longo prazo, de graça, a uma taxa de juros real (ajustada pela inflação) de zero. Os especialistas criticam a dívida pública espanhola, mas quando um governo pode garantir o endividamento com zero taxas de juros reais, é um bom momento para o investimento público que pode criar empregos e aumentar a produtividade da economia. O crescimento da produtividade tem sido muito fraco durante essa recuperação.
Mas o governo do Partido Popular, em colaboração com as autoridades europeias, tem uma visão muito diferente do "progresso". Juntos, eles estão comprometidos com o aperto do orçamento, mesmo que a economia já esteja desacelerando. Eles também estão preocupados com o retrocesso em relação às "reformas estruturais" que eles argumentam serem melhores para aumentar o emprego e a eficiência da economia.
Parte da teoria da austeridade implementada desde 2010 foi que, uma vez que a Espanha não podia desvalorizar sua moeda (o euro), teria que passar por uma "desvalorização interna". Isso significa que o desemprego em massa e outras pressões (incluindo mudanças no direito do trabalho) elevaria os salários o suficiente para que a Espanha pudesse ser mais competitiva e aumentar as exportações, mesmo com um euro que já havia sido sobrevalorizado pela economia. A Espanha certamente aumentou suas exportações desde o ponto mais baixo da depressão. Mas desde que a recuperação econômica começou há quatro anos, as importações também aumentaram, e as exportações líquidas (a diferença entre exportações e importações) não contribuíram com a recuperação. Por conseguinte, é difícil argumentar que a Espanha ajustou a sua economia de modo a produzir um novo modelo de crescimento.
Outro argumento para a austeridade foi o de que apertar o orçamento e implementar reformas estruturais reduziria as taxas de juros e pagamentos sobre a dívida pública espanhola, restaurando a confiança do mercado. Mas, de fato, as taxas de juros da Espanha caíram como resultado de mudanças drásticas na política do Banco Central Europeu (BCE): em 2012, o BCE decidiu basicamente garantir os títulos espanhóis e italianos; reduziu as taxas de juros de curto prazo e também iniciou uma flexibilização quantitativa em março de 2015 para baixar as taxas de longo prazo e fornecer um estímulo monetário.
Portanto, há poucos dados que indicariam que a austeridade da Espanha "funcionou". Pelo contrário, não só a economia ainda é uma desgraça para milhões de habitantes da Espanha, mas a recuperação que ocorreu deve muito à redução da austeridade e à implementação de um pequeno estímulo que precisa ser expandido para se mover para o pleno emprego.
Sob estas condições, não é surpreendente que muitos catalães pensem que poderiam ter um melhor desempenho econômico como um país independente. O seu problema econômico é semelhante ao da maioria das pessoas que vivem na zona do euro – incluindo o resto da Espanha, França, Itália e Grécia. As autoridades europeias e os governos que optam por acompanhá-las ou são forçados a fazê-lo (como na Grécia), estão essencialmente comprometidos com o desemprego em massa – bem como com várias reformas econômicas regressivas – em um futuro previsível.
É neste profundo sentido estrutural e prático que os movimentos separatistas, bem como aqueles que querem sair da zona do euro ou da União Europeia, têm uma base econômica real nas políticas econômicas fracas das autoridades europeias e da maioria dos governos da zona do euro. O mesmo acontece com o aumento da participação de voto na extrema direita em países como a França, Holanda e Alemanha. Resta saber se a elite da Europa abandonará seu apego às políticas econômicas fracassadas antes que essas forças centrífugas se fortaleçam.
- Mark Weisbrot é Co-Diretor do Center for Economic and Policy Research [Centro de Pesquisa em Economia e Politica] em Washington, D.C., e presidente de Just Foreign Policy [Politica Exterior Justa]. Também é o autor do livro “Failed: What the ‘Experts’ Got Wrong About the Global Economy”[ Falha: o que os “especialistas” entenderam errado sobre a economia global"] (2015, Oxford University Press).
Edição: ALAI - America Latina en Movimiento - America Latina en Movimiento | Tradução: Pilar Troya