Em setembro foi publicada a sanção presidencial da Media Provisória (MP) 783/17, aprovada pelo Senado Federal no último dia 5 de outubro, que institui o Programa Especial de Regularização Tributária. Na prática, um novo REFIS, mais um programa de parcelamento de dívidas, abatimento de juros e multas para pessoas físicas e jurídicas inadimplentes com os fisco federal. A medida foi aprovada após duas prorrogações (a partir da edição das MPs 798 e 804) e a inclusão pelo relator – dep. Newton Cardoso (PMDB/MG) – de um festival de benesses absurdas a grandes devedores, apenas parcialmente corrigidas no texto final aprovado.
O texto aprovado estabelece que grandes devedores, após quitação de 20% do total de sua dívida, podem parcelar o restante em 180 vezes com descontos sobre juros e multas de até 70%. Ou seja, perdoa não apenas dívidas sob administração direta da Receita Federal, mas aquelas em processo de cobrança judicial, aos cuidados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Além disso, foram autorizadas que dívidas não tributárias oriundas de multas de fiscalização fossem incluídas na nova lei e agora poderão ser parceladas em generosas e suaves parcelas.
A justificativa oficial do governo Temer para a edição desse Refis é a intenção de arrecadar cerca de 13 bilhões de reais em 2017 em troca de uma renúncia de mais de 60 bilhões nos próximos três anos. Após as alterações promovidas no Congresso Nacional, essa estimativa de receita imediata pode cair para 500 milhões, segundo nota técnica conjunta da PGFN e da própria Receita Federal.
O governo deu outro presente para os grandes devedores. A MP 793 criou um REFIS para o setor rural, basicamente para nove empresas grandes devedoras da previdência, em valores que chegam a 5,5 bilhões de reais. A JBS é diretamente beneficiada, inclusive porque a MP não veda a participação no programa de devedores que estejam envolvidos em conluio ou fraude. Cabe lembrar, que o Ministro Henrique Meirelles, responsável pela Medida foi alto executivo da JBS até pouco antes de sua nomeação para a Fazenda.
Além do festival de barbaridades perpetradas pelo governo e congressistas, duas outras coisas chamam a atenção na aprovação das MPs do Refis. A promoção de renúncia fiscal por parte de um governo que impõe ao país um desmonte dos gastos sociais sob a desculpa de um novo regime fiscal, além da comprovada perda de eficácia do Refis enquanto instrumento de política fiscal, demonstrada a partir de dados do próprio governo, no caso, da Receita Federal.
A aprovação da PEC do teto de gastos, da reforma trabalhista (com suas consequências para a previdência) e da tentativa de reforma da previdência pública são as pedras de toque do estabelecimento de um orçamento dedicado ao pagamento dos credores da dívida pública. O orçamento de 2018 é a expressão desse novo regime, que tira dos pobres para dar aos ricos. O orçamento da educação superior caiu de 13 bilhões em 2015 para 5,8 bilhões e o da educação básica caiu pela metade. Ministérios importantes como Cidades e Ciência e Tecnologia sofreram cortes que superam os 80% do orçamento. Enquanto isso, o governo Temer não mede esforços em liberar recursos para a sua base fisiológica e seus patrocinadores no sentido de salvar sua pele das seguidas denúncias de corrupção.
O Refis do Golpe é o vigésimo refis desde aquele do ano 2000, promovido ainda por FHC. Seguidos governos utilizaram esse instrumento como mecanismo de aumento de arrecadação de curto prazo e suposto estímulo a recuperação econômica em meio a crises. O problema, é que o uso do cachimbo deixa a boca torta. O uso recorrente do Refis criou um problema que os economistas chama de risco moral – um estimulo ao delito, com a garantia que mais cedo ou mais tarde a divida dos mau pagadores será parcelada e que suas multas e juros serão perdoadas ou muito diminuídas.
Vários estudos demonstram que o resultado das sucessivas anistias e parcelamentos é a migração de grandes devedores de um Refis para outro. A tabela abaixo, de uma nota técnica da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), demonstra que o percentual de liquidação de dívidas é muito baixo e é alto o índice de exclusões, que correspondem, em grande medida, a inadimplência ou migração para outro programa, basicamente rolagem de dívida.
A experiência mostra que isso ocorrerá mais uma vez, com resultados pífios, enfraquecimento do fisco e grandes benesses aos grandes devedores. Segundo a Receita Federal, mais de 48 mil contribuintes, pessoa jurídica, aderiram a três ou mais parcelamentos especiais, perfazendo uma dívida de aproximadamente R$ 160 bilhões, o que deveria deixar os mentores da austeridade fiscal ruborizados, caso seus objetivos correspondessem às intenções declaradas. É importante notar que quase 70% desses devedores são grandes empresas, com faturamento anual acima de R$ 150 milhões. O ajuste fiscal de Temer é só para os mais pobres.
* Claudio Puty, 47, é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), foi Deputado Federal (PT/PA) entre 2011 e 2014 e foi Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Secretário Executivo do Ministério do Trabalho e Previdência Social no segundo mandato da Presidenta Dilma.
Edição: Simone Freire