Michel Temer escapou pela segunda vez de ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por 251 votos a favor do arquivamento da denúncia e 233 contrários, o presidente e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco não serão investigados pela acusação de obstruírem a justiça e pertencerem a uma organização criminosa, conforme apontado pelo ex-procurador-geral da república, Rodrigo Janot. Como no mês de agosto, quando Temer escapou da denúncia de corrupção passiva, no dia 25 de outubro de 2017 não se ouviram panelas, apitaços, pisca-pisca nas janelas de edifícios e, muito menos, manifestações nas ruas dessas entidades.
Cenário muito diferente de 31 de agosto de 2016, quando a petista Dilma Roussef teve cassado seu mandato da presidência da República. Naquela oportunidade, a exemplo de uma final de copa do mundo, grande parte da população acompanhou roendo as unhas e vibrando a cada voto de um parlamentar que dizia “SIM” ao impeachment. As semanas que antecederam as votações na Câmara Federal (abril de 2016) e no Senado (agosto de 2016) foram marcadas por uma série de atos contra Dilma e pela bandeira do combate à corrupção.
Passado um ano e dois meses do afastamento da petista, os grupos que estavam à frente daquelas manifestações anticorrupção hoje encontram-se mais tímidos. Entidades que puxaram o coro do “Fora Dilma”, quando se manifestam, o fazem de maneira discreta ou ponderam quando o assunto é o arquivamento das denúncias contra Michel Temer. Procuramos alguns líderes dessas entidades que se posicionaram publicamente pelo afastamento de Dilma Rousseff para saber o que mudou e se o combate à corrupção segue na pauta dessas organizações.
No Paraná, a entidade que protagonizou as manifestações mais contundentes a favor do impeachment da petista foi a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP). Em março de 2016, ela lançou um “manifesto” com posicionamentos sobre a crise política do país. No documento, assinado pelo presidente Edson Campagnolo, a entidade apontou quatro medidas emergenciais, sendo a primeira delas o impeachment de Dilma Rousseff, “chamando a responsabilidade a todos os parlamentares”; apoio absoluto a todas ações de combate à corrupção e repúdio a nomeação do ex-presidente Lula como ministro, o que para a entidade, se caracterizava uma tentativa de “obstrução do trabalho da justiça”.
A FIEP ainda organizou atos públicos e conclamou a população a vestir-se de preto em luto pelo momento do país, “um cenário em que a sociedade não podia se omitir”, conforme a nota. Um ano e dois meses após o afastamento de Dilma da presidência, a entidade não tem mais organizado manifestações contra a corrupção apesar dos escândalos e denúncias envolvendo Temer. A “obstrução da justiça”, uma das atuais acusações contra o peemedebista, antes citada quando da nomeação de Lula, parece também não ser mais motivo para um posicionamento oficial da entidade.
Um ano e dois meses após as contundentes manifestações, procuramos uma posição do presidente Edson Campagnolo, porém a FIEP se posicionou apenas por meio de uma nota enviada por sua assessoria de imprensa. Uma nota tão tímida quanto às atuais manifestações contra à corrupção. Nela, a federação ressalta que “as decisões tomadas pelo Congresso, democraticamente eleito pela população brasileira, são legítimas e devem ser respeitadas”.
Vale lembrar que a FIEP também se posicionou publicamente parabenizando os votos dos parlamentares que foram a favor do afastamento de Dilma. O Porém buscou saber qual o posicionamento da entidade em relação ao voto dos deputados que votaram pelo arquivamento da segunda denúncia contra o presidente Temer, porém não obtivemos resposta. Na nota enviada pela assessoria, a entidade resume-se a dizer que “defende que todas as denúncias de corrupção e desvios de recursos públicos sejam apuradas, seguindo os trâmites da Constituição Federal”.
Associação Comercial do Paraná silencia sobre Temer
Outra entidade que posicionou publicamente favorável ao impeachment de Dilma Rousseff foi a Associação Comercial do Paraná (ACP), que em 8 de abril de 2016, instalou em frente à sua sede, na rua XV de Novembro, um dos principais pontos de manifestação da capital paranaense, o “Painel do Impeachment” em parceria com o movimento chamado “Mais Brasil, eu acredito”. O objetivo foi mostrar as opções de voto dos parlamentares paranaenses no processo contra a petista. Na oportunidade aquelas pessoas que passavam pela rua poderiam conferir o “placar do impeachment” com a exposição dos votos contrários e favoráveis.
À época, o presidente Antonio Miguel Espolador Neto afirmou que era uma forma de “ajudar o eleitor a conhecer os deputados dos quais deram seu voto nos anos anteriores”. A ACP não repetiu a iniciativa em relação a votação da denúncia contra Michel Temer e, tampouco, se pronunciou sobre o tema. Buscamos contato com a entidade, que por meio de sua assessoria de imprensa, informou que “o presidente da ACP não está se manifestando sobre este assunto no momento”.
Classe empresarial foi “cuidar da vida”
No interior do Paraná não é diferente. O clima verde amarelo das manifestações anticorrupção que tomou as ruas de cidades como Ponta Grossa, Londrina e Cascavel, já não é o mesmo. As entidades de classe, em especial sindicatos patronais e associações empresariais, também estão mais tímidas e ponderam sobre a possibilidade da cassação do mandato de Michel Temer. Até mesmo o “combativo” Movimento Brasil Livre (MBL), que empunhava a bandeira contra os corruptos, parece ter abandonado essa luta para se focar na agenda moral de combate à manifestações artísticas que consideram impróprias e que atentem contra os valores da família e na defesa de projetos que buscam cercear os debates políticos nos ambientes escolares, como o programa “Escola sem partido”.
Entre as organizações que em 2016 estavam ativas no combate à corrupção está a Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa (ACIPG), conhecida por suas posições polêmicas como quando defendeu que beneficiários do Bolsa Família não deveriam ter direito ao voto e, mais recentemente, quando apoiou publicamente uma intervenção militar.
Procuramos o presidente da entidade, o empresário Douglas Taques Fonseca, para avaliar o arquivamento das denúncias contra Temer. Ele foi menos ponderado que os líderes da FIEP e da ACP. “Foi lamentável o que aconteceu, particularmente acho que ele [Temer] deveria ter sido afastado. Todo mundo tem que ser fiscalizado, não importa se é de partido A ou B. Se é de direita ou esquerda. Não dá para o ‘cara’ pegar mala de dinheiro e não acontecer nada”, comentou.
Porém, ao ser questionado sobre a redução das manifestações anticorrupção por parte da classe empresarial, Fonseca relativizou. “Foram momentos diferentes, a conjuntura é diferente. Apesar do Temer, há uma evolução da situação econômica do país. Os empresários resolveram se deslocar dessa questão política e tocar a vida. O povo está tão enojado. É tanta notícia ruim num curto intervalo de tempo que ninguém mais vence ir às ruas. Se forem às ruas a cada notícia ruim não conseguem nem viver”, afirma o presidente da ACIPG, acrescentando que ficou satisfeito com o voto no dia 25 de outubro dos representantes de Ponta Grossa na Câmara Federal. O município da região dos Campos Gerais conta com dois representantes: Sandro Alex (PSD) e Aliel Machado (REDE). Ambos votaram contra o arquivamento da denúncia contra Michel Temer.
Velho oeste
A cidade de Cascavel, no oeste do Paraná, esteve entre os municípios que mais concentrou em 2016 manifestações favoráveis ao afastamento de Dilma da presidência. Marchas, atos públicos, notas oficiais e fechamento de comércios foram chamados por entidades de classe dos setores empresarial e ruralista. A chamada “capital do agronegócio” conta com os deputados Alfredo Kaefer (PSL), Evandro Roman (PSD), Hermes Frangão Parcianello (PMDB) e Nelson Padovani (PSDB); todos favoráveis ao impedimento da petista pela acusação de pedaladas fiscais.
No dia 25 os quatro parlamentares estiveram entre os 30 deputados da bancada paranaense que chancelaram a continuidade de Temer na presidência. Procuramos a Associação Comercial e Industrial de Cascavel (ACIC), entidade que esteve a frente das manifestações anticorrupção em 2016, para uma opinião sobre os fatos recentes envolvendo Temer. Porém a assessoria de imprensa da associação não retornou o contato.
Diferente da entidade empresarial, organizações ruralistas que também estiveram nos atos contra Dilma se pronunciaram sobre o arquivamento da segunda denúncia contra Temer. “A votação foi um julgamento político natural em um país que autoriza este tipo de julgamento. E num julgamento político cada um vota dentro de suas convicções”, diz Adani Primo Triches, presidente da Sociedade Rural do Oeste do Paraná (SRO). Sobre a mudança de posicionamento dos deputados de Cascavel, o ruralista pondera: “Não acho que mudaram de opinião, mas sim votaram de acordo com suas bases. A Dilma passou por um processo político e perdeu, o Temer passou por um processo político e ganhou”, minimiza.
Posicionamento similiar do produtor rural Paulo Roberto Orso, presidente do Sindicato Rural Patronal de Cascavel. Favorável ao afastamento da petista em 2016, o sindicato agora pondera sobre uma cassação do mandato de Temer. “A saída de um presidente nunca é boa para o país. Na época da Dilma a situação econômica era catastrófica. Agora o país está em processo de retomada e nós produtores estamos satisfeitos com as decisões e ações que vem sendo feitas pelo governo. Se Michel Temer é criminoso, ele será punido. No entanto, acreditamos ser mais conveniente para o país que isso aconteça após o fim do mandato”.
Questionado sobre a liberação de emendas parlamentares às vésperas da votação, Orso classifica como naturais. “As emendas parlamentares são instrumentos legais utilizados por deputados para trazer recursos para suas regiões. Elas já haviam sido protocoladas há muito tempo. Se a liberação de algumas foi critério ou estratégia para angariar votos, não podemos afirmar”, aponta o ruralista, classificando como positivo o voto dos deputados que foram favoráveis ao arquivamento da segunda denúncia contra o peemedebista.
Edição: Ednubia Ghisi