Vamos falar sobre redução da maioridade penal?
Está em curso, num Congresso dominado por uma elite de mentalidade escravocrata, a tentativa de aprovar a redução da maioridade penal. Da mesma forma, a grande mídia aplaude a redução da maioridade penal. Quem assiste ou lê os meios de comunicação da classe dominante tende a crer que os principais responsáveis por crimes hediondos no país são os adolescentes quando, na verdade, esses jovens são as principais vítimas da violência.
Os dados do Atlas da Violência, divulgado em junho deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revelam que no período entre 2012 e 2015 mais de 30 mil jovens de 15 a 29 anos foram assassinados por ano no Brasil.
Enquanto a taxa de homicídio da população em geral é de 29,9 mortos a cada 100 mil habitantes, no caso dos jovens, a proporção sobe para 60,9 mortos. Quando se trata dos jovens negros os dados são ainda mais graves: o estudo revela que os jovens negros têm 23,5% mais chances de serem vítimas de homicídio.
Os dados provam que a violência é um grave problema que aflige a população brasileira. O poder público, ao invés de propor medidas eficazes para o problema, apresenta falsas soluções que atuam sobre a consequência e não sobre a causa da questão. Essas falsas soluções ganham adesão na sociedade por conta dos mitos criados sem nenhum embasamento e disseminados diariamente pelos grandes meios de comunicação que querem criminalizar a pobreza.
A redução da maioridade penal e o encarceramento da juventude resolvem a questão da violência no Brasil?
O ministério da justiça divulgou em 2015 que jovens de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% dos crimes no Brasil. Se considerarmos apenas os crimes de homicídio e tentativa de homicídio esse número cai para 0,5%. Isso demonstra que a grande maioria dos crimes são cometidos por maiores de 18 anos, que, por sua vez, são encarcerados e, mesmo assim, a violência no país não diminui. Ou seja, reduzir a maioridade penal não resolve da violência no país, assim como o encarceramento no geral não tem surtido o efeito que a sociedade espera.
Outra questão que merece destaque é a ineficiência e falência do sistema carcerário que não consegue ressocializar os sujeitos, muito menos atuar na prevenção de novos crimes, além disso, sofre com graves problemas de superlotação. O Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo com mais de 715 mil presos, sendo que nas prisões para maiores de 18 anos o índice de reincidência é de 80%. A falácia de que a punição via encarceramento resolve o problema da violência também deve ser refletida, pois ao longo da história do Brasil, mesmo com a criação de leis cada vez mais severas, a violência só tem aumentado.
Além disso, os que defendem a redução da maioridade penal propagam uma situação de plena impunidade com relação aos menores infratores, quando na realidade os adolescentes são responsabilizados pelos seus atos através das normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em alguns casos inclusive, os menores infratores acabam sofrendo penas maiores que o infrator maior de idade que comete o mesmo crime. Quer dizer, esse argumento da impunidade é mais um mito que ronda esse debate tão sério sobre a vida da nossa juventude.
Quando se trata das motivações que levam um adolescente a cometer crimes identifica-se uma relação direta com a pobreza e a baixa escolaridade ou ausência total de frequência no ambiente educacional. Isso escancara que a raiz do problema está na desigualdade social e na ausência de políticas públicas que garantam o acesso aos direitos básicos para o adolescente como educação, saúde e lazer. Contraditoriamente, o custo para manter um preso no Brasil é 13 vezes maior do que o custo com um estudante. Nessa perspectiva, a lógica para superar a violência é completamente inversa, irresponsável e custa muito alto, pois além de oneroso destrói a vida dos nossos jovens.
Na maioria dos países a maioridade penal é aos 18 anos. Nos casos da Espanha e Alemanha, que reduziram a maioridade penal para 16 anos, ficou comprovada a ineficiência dessa medida no combate à violência e, por isso, alguns anos depois, voltou-se aos 18 anos a idade que torna o jovem imputável.
Precisamos debater seriamente as saídas para o combate à violência no Brasil. Pelo andar da carruagem, o governo golpista e seus comparsas têm caminhado na contramão da solução. No relatório publicado pela Oxfam Brasil ficou evidente a dramática situação da desigualdade social no país, onde os seis maiores bilionários têm a mesma riqueza e patrimônio que os 100 milhões de brasileiros mais pobres juntos. Em resposta a essa realidade, os que querem aprovar a redução da maioridade penal como falsa solução no combate a violência são os mesmos que apoiam o corte orçamentário de 2018 na educação e no desenvolvimento social, assim como as medidas de congelamento de gastos por 20 anos na educação e a entrega das riquezas da nação para empresas transnacionais, a exemplo do pré-sal, aprofundando a desigualdade e a falta de oportunidades.
A juventude tem um potencial enorme e precisa de um projeto de vida, que significa mais escolas, mais oportunidades, acesso ao trabalho digno, à cultura, ao lazer e a saúde que só podem ser garantidos por um Projeto Popular para o Brasil. Os parlamentares favoráveis à redução serão cobrados pela história como os que não se desvencilharam da herança violenta da escravidão e como os que negaram o direito de um futuro digno a nossa geração e às que virão.
Novembro é um mês que carrega a simbologia do Dia da Consciência Negra e nós, jovens, reivindicaremos o legado de resistência de Dandara e Zumbi para defender o direito da nossa geração viver e ser livre.
É tempo de nos alimentarmos na mística desses lutadores do povo e resistirmos contra a redução. É tempo de debatermos sob um olhar concreto da realidade e agirmos para barrar mais retrocessos. Por isso, precisamos nos mobilizar. Nós, jovens, temos que ocupar as ruas para desmoralizar os parlamentares que planejam encarcerar a juventude e barrar a redução!
Se “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, como diz a letra do compositor Marcelo Yuka, nós jovens, em sua maioria pobres, negros e negras, também herdamos a resistência dos que foram escravizados, e não baixaremos a cabeça enquanto os grilhões não forem rompidos.
Jessy Dayane é militante do Levante Popular da Juventude. Sergipana, Jessy estuda Direito em São Paulo e milita no Movimento Estudantil. Hoje, conduz a vice-presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Edição: Daniela Stefano