Entre os dias 6 e 8 de novembro, cerca de 120 mulheres de todos os estados do Semiárido brasileiro estiveram reunidas no encontro “Mulheres do Semiárido e a Construção de Tecnologias Sociais de Convivência”, realizado pelo Centro Feminista 8 de Março (CF8) e pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). O debate sobre a necessidade de se fortalecer a auto-organização das mulheres deu a tônica de todo o encontro, assim como a importância de se visibilizar as práticas de convivência com a região já realizadas e experimentadas pelas mulheres. “Esse encontro partiu da necessidade das mulheres que tem, ao longo de um processo histórico, construído a convivência com o Semiárido, de se auto-organizarem e pautarem o feminismo”, explicou Conceição Dantas, da coordenação do CF8.
Em um encontro em que a música, as palavras de ordem, o teatro, a poesia, o cordel, a dança estiveram muito presentes em um verdadeiro caldeirão. Mulheres de vários lugares, urbanas e rurais, de diversas raças, identidades sexuais, profissões e aptidões. Pluralidade que enriqueceu a troca entre elas mesmas que se expressaram de diversas formas. Participaram lideranças de movimentos populares, organizações, associações, sindicatos, agricultoras experimentadoras, professoras, agentes de saúde, artesãs, mulheres que sempre estão em atividades e em luta constante. “Nesse cenário um elemento importante que temos na mão e que vamos poder usar é a agroecologia, porque ela não é moda, é uma opção de vida, é uma forma de resistência. E quem faz de fato a agroecologia são as mulheres. Se tem tanta gente interessada nas nossas sementes e experiências é porque já perceberam a importância da agroecologia nas suas vidas”, disse Jenusi Marques, da Marcha das Margaridas.
As estratégias das mulheres para superação das adversidades também estiveram em pauta no encontro. “O acesso à água como direito atinge sobretudo a vida das mulheres, porque historicamente as mulheres têm um papel na questão da água para consumo humano, mas também a água para produzir alimentos, de guardar sementes. Claro que não podemos ficar só na contemplação da melhoria de vida das mulheres do ponto de vista da produção de alimentos, da água, mas também do ponto de vista do lugar que as mulheres estão no Semiárido. As desigualdades entre homens e mulheres é muito forte, e o patriarcado que se reproduz dentro da casa das famílias. Esse encontro aqui, mais uma vez, a gente percebe que as mulheres trazem as tensões que tem dentro de casa, mas também a superação”, pontua Glória Araújo, da coordenação da ASA.
Simone Lopes, que integra a ASA Alagoas, volta para o estado com mais responsabilidade do que quando chegou ao encontro. “Saio daqui extremamente animada para o meu estado. Sempre estive em organizações mistas e sempre foi um desafio discutir a questão da mulher. O encontro me anima, me dá força para discutir que as narrativas cotidianas sejam mais voltadas para nossa realidade feminista. Saio pensando como eu posso contribuir com a vida das minhas companheiras”, disse. Para a agricultora Raimunda Maria do Carmo, de Pernambuco, o encontro foi importante. “Porque procurou dar força cada dia mais a nós. Somos mulheres trabalhadoras e precisamos ter uma ajuda para progredir a cada dia. Porque nós precisamos de água, precisamos de aposentadoria, precisamos de leis que favoreçam a mulher trabalhadora”, disse.
O encontro lançou ao final uma carta política em que denunciou o avanço do capital, do neoliberalismo e do conservadorismo. Entre as denúncias firmadas na carta estão: “o desmonte de direitos e políticas públicas que ameaçam as conquistas das mulheres trabalhadoras rurais, em especial a seguridade social que vinha garantindo às mulheres rurais o direito de envelhecer com dignidade e a denúncia da violência contra a mulher nos espaços públicos e privados que se sustenta na articulação do patriarcado e do capital, materializada na desapropriação de seus territórios, na perda de direitos, e no avanço do conservadorismo seja nas instituições religiosas e/ou estatais”. Entre as propostas pautadas pelas mulheres do Semiárido, em carta, estão “um combate cotidiano contra a invasão do capital através dos grandes projetos do agro e do hidronegócio e a luta permanente pelo retorno da democracia e pela ampliação de participação popular”.
Sobre os desafios que ficam pós encontro, Conceição Dantas pontua que com a organização é possível superá-los. “Temos que nos auto-organizar para construir uma convivência pautada no feminismo, porque as mulheres têm estratégias para conduzir esse processo, para construir um Semiárido longe da violência e da invasão do capital sobre os territórios. Vamos continuar auto-organizadas e unificadas. Para que as pessoas continuem com a esperança de que é possível, a partir da organização popular, mudar a realidade e é esse o desafio que apontamos e que vamos seguir esse até que todas sejamos livres”, disse.
Edição: Monyse Ravena