Organizações sociais e de direitos humanos da Argentina se reuniram na última quarta-feira (08/11) no chamado “Encontro pela Democracia”, durante o qual anunciaram que enviaram ao Congresso do país um documento rechaçando as atuais políticas do governo do presidente Mauricio Macri ao dizer que a “República está em crise, a democracia e o pluralismo estão em perigo”.
A missiva foi firmada por intelectuais, juristas, sindicalistas, artistas, reitores universitários e outras figuras dos movimentos sociais do país. Entre eles, está o ex-ministro da Corte Suprema Eugenio Zaffaroni, a presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, o escritor Mempo Giardinelli e o filósofo Horacio Gonzáles.
“Está avançando rapidamente a deterioração do Estado de Direito”, afirmou Zaffaroni, que alertou sobre o avanço contra a autonomia do Ministério Público. “Cada vez mais, há menos lugares nos quais se podem dizer estas verdades… vamos chegando ao discurso único, à construção única de realidade própria de todo o totalitarismo.”
Por sua vez, Carlotto advertiu sobre o “retrocesso da Justiça”, as ofensas “para nos desprestigiar” e os “riscos de disfarçar os genocidas como pobres velhinhos, aqueles que se tentam enviar para casa quando estão condenados por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura passada”, afirmou.
“Quantas coisas nos fazem relembrar de tempos onde exibíamos cartazes de ‘Aparecimento com vida’?”, questionou Carlotto em referência a Santiago Maldonado, cujo caso se encontra em plena investigação para determinar as responsabilidades de sua desaparição forçada e assassinato, logo após ter sido detido pelas forças policiais do país, como afirmam os que o viram pela última vez com vida.
Cristina Kirchner
A ex-presidente da Argentina e senadora eleita Cristina Kirchner também entregou uma carta, dirigida ao juiz Julián Ercoloni, que voltou a citá-la pelo caso Hotesur, sobre o qual já foi convocada quatro vezes.
No texto, a ex-mandatária assinala que, em seu país, “não há Estado de Direito” e acusou alguns juízes de encerrar “com uma velocidade incrível as investigações que pesam sobre funcionários do atual governo imputados por manejar fundos em paraísos fiscais ou mover somas milionárias por meios de bancas offshore”, disse.
Leia íntegra da carta dos movimentos sociais
Estamos ante a uma emergência jurídica, social e de paz. Está em jogo a paz da República.
Levamos mais de três décadas de governos democráticos, com suas virtudes e defeitos, mas nunca como neste momento se há colocado em perigo as regras básicas de nossa convivência plural.
A República range, a democracia e o pluralismo ideológico estão em perigo, os limites ao poder se borram, não é momento de discutir preeminências, nem de fazer especulações.
Acima de todas as posições particulares e respeitáveis de cada pessoa, grupo, partido, sindicato, profissão, convocamos a todos e todas para defender o teto democrático comum.
Há dois graves problemas na República. Um é o desencaixe judicial, o extravio da juridicidade e do cumprimento constitucional, avalizado por uma Corte Suprema completamente desprestigiada. Por outro lado, um poder midiático descomunal e muito maligno porque tudo o que faz é tacar lenha na fogueira, gerar muito ódio, e isso é mal para a paz da República. O que vamos fazer é um chamamento em função disto tudo. Há que se tratar de se gerar consciência.
Não se pode ser tão irresponsável de se incendiar o país por meio do fomento do ódio, que é o que estão fazendo certos setores da oligarquia argentina, setores muito fechados, excessivamente ambiciosos, classistas, muito racistas e fundamentalmente os setores que estão remilitarizando o país. Isso não representa a maioria nem as pessoas que votaram (pelo Cambiemos), as pessoas não votaram por isso, a sociedade argentina votou uma ilusão.
Os juízes, custódios da Constituição e de nossas liberdades, perderam a imparcialidade, não investigam eventuais delitos, apesar de autorizarem vexações públicas a opositores sem nenhuma necessidade processual. O Poder Executivo reclama juízes próprios e ameaça a todo o magistrado desobediente a seus desígnios.
Estende-se o medo, os artistas se sentem ameaçados, estigmatizam-se os sindicalistas como mafiosos, projeta-se a virtual derrogação do direito do trabalho, ameaça-se a proteção social, condena-se a subdesenvolvimentos regionais pela via impositiva.
O organismo que deve orientar a política criminal está a ponto de perder sua autonomia constitucional, para permanecer reduzido a uma dependência do Poder Executivo.
Isto não afeta a um grupo, a um partido, a nenhum setor particular, mas sim a toda a sociedade, ao sistema de pesos e contrapesos necessário para que ninguém se hegemonize no poder; o Estado de direito se desbarata.
Posto isso, convocamos a nos unirmos, colocando de lado as respeitáveis diferenças que devemos discutir na democracia, para defender este mesmo espaço em que devemos levar adiante nossas saudáveis diferenças.
(*) Com teleSUR
Edição: Opera Mundi