Tem que mudar o governo para estancar essa sangria.
Há um ano e meio, a frase dita pelo senador Romero Jucá (PMDB), braço-direito de Michel Temer (PMDB), ao ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, entrava para a história como um dos símbolos do golpe parlamentar de 2016.
A conversa telefônica foi divulgada durante o período de afastamento provisório da então presidenta Dilma Rousseff (PT), e escancarou um dos objetivos do impeachment: frear as investigações de corrupção no Brasil, e não ampliá-las.
Desde que assumiu a Presidência, Temer foi alvo de duas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR), e investiu R$ 12 bilhões para barrá-las no Congresso Nacional. Conforme previsto no roteiro de Jucá, o presidente golpista também mudou a chefia da PGR, em setembro, e há dez dias nomeou um novo diretor-geral para a Polícia Federal (PF).
Ambas as escolhas são polêmicas. A nova PGR, Raquel Dodge, pertencia a um grupo de oposição ao antecessor, Rodrigo Janot. No caso da PF, o escolhido foi Fernando Segóvia – que não era o preferido de Leandro Daiello, diretor-geral da corporação desde 2011.
Confira abaixo cinco motivos para suspeitar das intenções de Temer ao nomear Segóvia para o comando da PF:
I - Lados opostos
Desde o início do ano, Leandro Daiello deixou claro que pretendia deixar o cargo, e até recomendou um sucessor para o cargo: o delegado Rogério Galloro, então número 2 da corporação. Este também era o nome preferido do ministro da Justiça, Torquato Jardim. Porém, Michel Temer preferiu Segóvia, que logo anunciou mudanças em postos de chefia da PF – responsáveis pelo avanço da Lava Jato.
Nomeado pela ex-presidenta Dilma Rousseff, Daiello pode ser criticado sobre vários aspectos, menos sobre a autonomia em relação ao Poder Executivo. Foi na gestão dele que vieram à tona casos de corrupção no governo federal.
Manter essa autonomia não parece ser a intenção de Temer, que teve a chance de escolher a dedo quem irá investigá-lo e não iria desperdiçar a chance de se proteger. Embora tenha barrado duas denúncias da PGR no Congresso, o presidente golpista continua na mira da PF em Brasília, que apura fraudes durante a elaboração da Lei dos Portos.
Em nota oficial, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) desejou sorte ao novo diretor-geral, mas insistiu para que da próxima vez seja escolhido para o cargo um dos três mais votados pela corporação.
II - Preferido da alta cúpula
A nomeação Fernando Segóvia recebeu apoio da alta cúpula do PMDB, que tinha pressa para trocar o comando da PF desde o início da operação Tesouro Perdido – que localizou a mala com R$ 51 milhões atribuídos ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB).
É de conhecimento público que os caciques do partido estavam na mira de Daiello e de seus subordinados. A segunda denúncia contra Temer, barrada no Congresso, foi baseada em um relatório da PF sobre o chamado “quadrilhão do PMDB”.
Por algum motivo, após 22 anos de trabalho na corporação, Segóvia mereceu a confiança de todos eles.
III - O primeiro discurso
Na solenidade de posse, no Ministério da Justiça, Segóvia não falou em frear ou limitar as investigações da Lava Jato. Porém, utilizou um argumento sugestivo no primeiro disurso e nos pronunciamentos à imprensa.
Em nenhum momento, o novo diretor-geral da PF atribuiu centralidade à operação Lava Jato no combate ao crime organizado e aos desvios ocorridos no país. O delegado preferiu dizer que a corrupção é “sistêmica”, e que sua função como diretor não é aperfeiçoar apenas a Lava Jato, mas todas as operações.
Essa linha argumentativa é a mesma adotada por Michel Temer, desde o golpe.
IV - Defesa da PEC 37
Uma das bandeiras das manifestações de junho de 2013 era a rejeição à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37. O texto sugeria que o poder de investigação criminal fosse exclusivo da polícia, em detrimento do Ministério Público. Segundo a interpretação equivocada dos movimentos que saíram às ruas em apoio à Lava Jato, a PEC 37 comprometeria o avanço das investigações de corrupção no Brasil.
Fernando Segóvia assumiu uma defesa corajosa e ferrenha daquele texto. “O Ministério Público começou a investigar sem controle, através de procedimentos que estão inclusive sendo questionados junto ao Supremo Tribunal Federal”, disse o delegado à TV Ajufe, em maio de 2013.
A PEC defendida por Segóvia chegou a ser chamada de “carta branca para a corrupção”, e foi derrotada por 430 votos a 9 na Câmara Federal. Se a proposta fosse aprovada, o Ministério Público não cometeria tantas arbitrariedades e os políticos – corruptos ou não – poderiam apresentar sua defesa, conforme o devido processo legal.
V - Passado condena?
No dia 17 de setembro, Michel Temer recebeu o ex-senador José Sarney (PMDB) no Palácio do Jaburu para conversar, entre outros assuntos, sobre a troca no comando da PF. Na semana seguinte, “vazou” em Brasília a informação de que Fernando Segóvia era o nome preferido de Sarney.
Os dois se conhecem há pelo menos onze anos. Em agosto de 2008, Segóvia assumiu a Superintendência da PF no Maranhão. De 2009 a 2014, o estado foi governado pela filha do ex-senador, Roseana Sarney (PMDB).
Segundo a revista Veja, circula em Brasília um dossiê que mostra as relações íntimas do novo diretor-geral da PF com a família Sarney e com o ex-ministro Edison Lobão (PMDB). O documento aponta que Segóvia morou no apartamento de um empreiteiro ligado a Lobão, e que o delegado costumava frequentar a casa dos Sarney com a esposa – inclusive, o casal teria passado um carnaval na companhia de Roseana.
Este material faz parte da cobertura especial do Brasil de Fato sobre a operação Lava Jato. Clique aqui para ter acesso a outras reportagens sobre o tema.
Edição: Ednubia Ghisi