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Zimbábue: novo líder quer indenizar fazendeiros após reforma agrária de Mugabe

Indenização de pessoas brancas donas de terras fruto da colonização do Reino Unido volta ao debate

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Após 37 anos de governo do presidente Robert Mugabe no Zimbábue, Emmerson Mnangagwa tomou posse no país nesta sexta-feira (24). Em seu discurso de posse, Mnangagwa homenageou Mugabe, e o chamou de “pai da nação”.

No entanto, o novo presidente começou sua gestão com medidas polêmicas. Ele prometeu indenizar os fazendeiros brancos que foram retirados das terras quando Mugabe realizou a reforma agrária nos anos 2000. Ao que tudo indica, a nacionalização de 85% das terras produtivas que foram distribuídas para o povo originário do país ainda não é assunto superado.

Para Paris Yeros, professor de Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador associado do Instituto Africano de Estudos Agrários, que fica no Zimbábue, o que aconteceu no país foi importantíssimo, uma vez que nenhum outro país ousou realizar a reforma agrária.

"No geral , a mudança estrutural já foi feita, não tem retorno, se houver alguma tentativa de reverter haverá outra revolta. Foi uma mudança estrutural, histórica e profunda. Ninguém fez isso fora o Zimbabwe nos últimos 40 anos", disse. 

Com o novo governo, o país pode tornar a política externa mais aberta, estreitar as relações econômicas com a China e volta a dialogar com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Há setores mais à esquerda que temem uma cooptação ainda maior do país para uma política neoliberal. Yeros relembra que isso já aconteceu e os resultados negativos aqueceram o movimento popular que buscava mudanças.

"Ao mesmo tempo houve uma cooptação nos anos 90 para um política mais neoliberal que fracassou muito rápido, que, por sua vez, criou uma mobilização social no campo e nas cidades que resultou, no fim da década de 2000, em um movimento de massas que foi ocupando as terras e obrigando o governo a fazer uma reforma agrária muito grande", explicou.

Essa experiência de democratização da terra, segundo o especialista, criou uma nova dinâmica na África como um todo e radicalizou o nacionalismo já existente. Mesmo assim, a condição precária no país é real e muito se deve às duas sanções econômicas impostas após a libertação nos anos 1980.

Augusto Juncal, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fez parte da Brigada Samora Machel, que atua no continente africano. Ele conta que é gritante a diferença de vida no país entre a população do campo e das cidades.

"O povo foi para terra porque ali ainda conseguem manter um pouco de dignidade. Na cidade não tem nada, está impossível, é um país quebrado", disse. 

Juncal considera ainda que pouco vai mudar para a vida dos cidadãos com a troca de líderes, caracterizada por ele como "golpe". Ele ressalta que a mudança se deve a um racha no partido nacionalista Zanu-PF em torno da sucessão de Mugabe.

O agora ex-presidente tinha o apoio de grande parte da sociedade, em especial fora dos centros urbanos, mesmo após ficar no governo ilegalmente quando perdeu as eleições de 2008. Juncal afirma que, mesmo nestas condições, todo camponês era mugabista.

"Quem era mais anti-mugabista eram pessoas urbanas, pequenos partidos políticos. A zona rural nunca sairia nas ruas para derrubar o presidente", disse. 

Em outros países da África, Mugabe também era considerado figura importante para a libertação africana de suas colônias. Antonio Gomes de Jesus Neto, mestre em Geografia da Universidade de São Paulo (USP), que estuda Moçambique - país fronteiriço ao Zimbábue -, contou como o líder zimbabuano é considerado visto.

"O Zimbábue é visto internacionalmente como uma país cheio de problemas, Mugabe como um grande ditador, mas, em Moçambique, ele é visto como um líder. Isso, porque eles reconheciam a importância que Mugabe teve nas lutas de libertação da África austra", explicou.

Yeros, também acredita que esse é o grande legado de Mugabe. "Isso não pode ser apagado da história, ele tem sido um dos principais líderes pan-africanista das últimas décadas, isso não pode ser apagado. No final, o que fica para a história são essas conquistas", disse. 

Em complemento, de acordo com Yeros, o país africano também é o que mais tem feito reformas estruturais no mundo. No entanto, as sanções econômicas impostas a ele tornam sua economia fragilizada.

Em 2009, o Zimbábue se dolarizou, porém isso não melhorou a economia e o país tem pouca capacidade de exportar. Neste cenário, a alternativa neoliberal aparece como uma resposta que pode vir se concretizar ainda mais.

Edição: Simone Freire