As políticas de “cortes” afetam serviços sociais e não dão respostas à crise.
“Precisamos equilibrar as contas públicas, afinal, o Estado não pode gastar mais do que arrecada”. Essa simples e – aparentemente – despretensiosa frase tem dado legitimidade para grande parte das políticas econômicas do Estado brasileiro.
Você já deve ter ouvido que a herança dos governos petistas foi um forte “rombo nas contas públicas”. Nessa perspectiva, em 2016 o Estado brasileiro teria “quebrado”, tendo sido assaltado pela “farra do gasto público” a que se utilizou os governos populistas de Lula e Dilma.
A explicação para a atual crise econômica brasileira, desse ponto de vista, repousaria no crescimento contínuo do gasto público, descolado do crescimento da receita no mesmo período. Dessa maneira, a tarefa da equipe econômica pós golpe seria “colocar ordem na casa”, restabelecendo o equilíbrio fiscal.
Acontece que explicações como essa desconhecem o funcionamento da economia de um país. A crise econômica que assola nossa nação desde o início de 2015 não tem relação com a explosão do gasto público e sim com a queda da receita. Com parcos conhecimentos matemáticos, fica fácil entender que se o denominador cai (a receita) o numerador tende a se expandir.
O total arrecado por um país tem relação com diversas variáveis econômicas. O preço das commodities que exportamos, o tanto que consumimos e que é revertido ao Estado através da tributação, as atividades produtivas que geram impostos aos cofres públicos são algumas. Portanto, a crise internacional que vivenciamos desde 2008 e as políticas de austeridade a que tem sido submetidas a economia brasileira ajudam a diminuir as receitas, o que – consequentemente – eleva o percentual dos gastos.
Até mesmo a Presidenta Dilma Rousseff – que por sinal é economista – disse certa vez que fazia ajustes no seu governo como uma dona de casa faz seu lar. Aliás, facilmente você encontra nos noticiários ou em discursos no Congresso esse tipo de analogia: “a dona de casa não vai ao mercado comprar 4 pães e só leva dinheiro para pagar 2”.
Pensemos agora o seguinte: e se alguém dissesse para essa dona de casa que a cada 4 pães que ela paga, 5 voltam para ela?
Sim! Vejamos o exemplo do Programa Bolsa Família. A cada 1 real que o governo “gasta” com o programa são acrescidos 1,78 reais ao PIB brasileiro. Isso ocorre porque “os trabalhadores gastam tudo o que ganham”, ou seja, as famílias mais pobres, ao invés de poupar e deixar o dinheiro parado, vão consumir na vendinha do seu bairro. Isso vai contribuir na geração de demanda local. Logo, aumenta o emprego, o consumo e, assim, o governo “recebe” de volta através – por exemplo – da tributação, sobre tudo o que as pessoas consomem na vendinha e também pelos tributos advindos da criação de um novo posto de trabalho.
E se alguém dissesse a essa dona de casa que se ela não comprar esses 4 pães ninguém mais os comprará, e se ninguém os comprar, o mercadinho fechará as suas portas? Em momentos de desaceleração econômica, quando todo mundo teme o futuro e ninguém quer gastar – nem famílias, nem empresas – somente o Estado tem as condições para permitir que a economia não entre em um círculo vicioso de ausência de gasto. Até porque o gasto de um é a receita do outro; se ninguém gasta, ninguém recebe; se ninguém recebe, ninguém gasta. O único agente que pode fazer uma ação “anticíclica” é o Estado.
E se, por fim, dissermos a essa dona de casa que no seu quintal tem uma “máquina de fazer dinheiro?” Sim, o Estado brasileiro - muito diferente do que foi nosso endividamento na década de 1980 – faz dívida em real, a mesma moeda que ela “roda” nas suas dependências.
O Estado desenvolveu formas de manter o gasto sem precisar “imprimir papel moeda” o que, obviamente, geraria inflação. Para tanto, nos utilizamos do mecanismo da venda de “títulos” da dívida pública, em que pessoas dão dinheiro ao Estado em troca de um “papel” que elas confiam que receberão com juros no futuro.
Agora voltando à pergunta inicial: o Estado pode gastar mais do que arrecada? Evidentemente que sim! Apenas quero desmistificar a ideia muito presente entre nós de que o estado opera como uma família.
O que nos ensinou o grande Economista Inglês John Maynard Keynes é que em momentos de desaceleração da economia, ao invés de cortar gastos, o Estado deveria “gastar” para impedir que a economia entre em crise. Em momentos de crescimento econômico, ao contrário, o Estado deveria fazer poupança e, assim, equilibrar as contas públicas.
O que vemos atualmente, infelizmente, são apenas políticas de “cortes de gastos”, que afetam serviços sociais decisivos para a vida das pessoas, - como saúde, educação, moradia, infraestrutura, - e não conseguem dar respostas a crise brasileira, que apenas tem se aprofundado e penalizado milhões de brasileiros, que sofrem cotidianamente com o desemprego e com a ausência de um projeto efetivo de retomada do crescimento nacional.
Juliane Furno é doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude.
Edição: Daniela Stefano