Será que o MST faz bom uso desses 3.600 hectares? Foi com essa pergunta que a reportagem do Brasil de Fato MG entrou na área de Ariadnópolis, na cidade de Campo do Meio, Sul de Minas.
Assentar e produzir
Se o primeiro passo é conquistar o terreno, o segundo é mantê-lo. Mesmo com todas as dificuldades, os ocupantes são incentivados e de certa forma cobrados pela produção de alimentos. O integrante do setor de produção do MST e presidente da Cooperativa Camponesa, Roberto Carlos Nascimento, é um dos profissionais que visitavam os lotes para orientar técnicas de plantio, adubação, tratos e outras instruções básicas. “A gente acompanha as famílias para organizar a produção. É necessário principalmente no início, para famílias que vem de outra região e há diferença de período de plantio e trato”, narra.
Nos lotes é possível ver uma diversidade de plantações, com destaque para o café. Segundo Roberto Carlos, os sem-terra produzem hoje milho, banana, feijão, abóbora, mandioca, cereais, hortaliças, criam pequenos animais e abastecem cerca de 70% da demanda destes produtos de Campo do Meio, através das feiras semanais de domingo e de vendas individuais ao longo da semana. Eles participam também de feiras em BH, Alfenas, Machado, Itajubá, Lavras, Inconfidentes, Pouso Alegre e feiras nacionais em outros estados.
As estimativas de Roberto para esse ano são de 12 mil sacas de café, 6 a 10 mil sacas de feijão e 50 mil sacas de milho, fora as demais culturas em menor quantidade. O desafio para os próximos anos é aumentar a inscrição dos sem-terra na Cooperativa Camponesa, do próprio movimento, para evitar atravessadores. Porém cooperativas só podem ter 30% de filiados sem DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), como explica Roberto Carlos, e DAP só se consegue com documento que certifica a posse da terra. “A desapropriação da área é importante para esse passo”, sublinha.
O nascimento de uma agrofloresta
Andando pelos acampamentos, em companhia de Roberto Carlos, encontramos um lote de cuidado coletivo. Ali funciona um viveiro de mudas do MST ligado ao projeto “Recuperando Áreas Degradadas em Assentamentos de Reforma Agrária em Minas Gerais” (Radar). O objetivo é produzir 720 mil mudas em Ariadnópolis e 4 milhões de mudas nativas no estado para serem plantadas ao redor de nascentes e áreas desmatadas no estado. O projeto trabalha com o conceito de agrofloresta, que significa a conservação das matas (florestas) e a produção de alimentos (agro) no mesmo território.
“A gente tem muitas terras que foram degradadas pela ocupação dos antigos fazendeiros. Quando a gente assume, já se cria um assentamento com vários passivos ambientais”, explica Henrique do Prado Samsonas, engenheiro florestal e militante do movimento. A intenção é reflorestar cerca de 40 nascentes somente nas áreas do MST no Sul de Minas, e o projeto já tem sido procurado por outras organizações para a doação de mudas, conta Henrique, “até mesmo por empresas do agronegócio”.
O projeto Radar é desenvolvido a partir de um convênio entre a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) e o Centro de Formação Francisca Veras (CFFV). Sua abrangência envolve quatro áreas no estado: Triângulo Mineiro, Sul de Minas, Norte de Minas e Vale do Rio Doce.
Para soletrar a liberdade
Em meio a toda esta organização, parece absurdo passar pela estrada principal da área e ver ali o proprietário do terreno, armado de capangas e altos portões de ferro. A sede da usina foi ocupada pelos sem-terra quatro vezes. O projeto do MST é que ali funcione um complexo de educação, com escola maternal, escola infantil, ensino fundamental, médio e faculdade com a parceria já em andamento com o Instituto Federal de Machado. O sonho foi interrompido pela última desocupação, feita em 2015 por acordo judicial.
Pelo acordo, o movimento conseguiu permanecer com as casas ao lado da sede, chamada de “coloninha”, e uma escola abandonada, hoje reativada pelo MST e batizada de Escola Eduardo Galeano. A parceria com a Escola José Mesquita Neto de Campo do Meio permitiu a contratação de quatro professores e a formação de uma turma de alfabetização de jovens e adultos e a turma do 6º ano do ensino fundamental, formadas por alunos sem-terra. Porém, a manutenção da escola continua sob responsabilidade dos estudantes e do movimento, como conta dona Ricarda Gonçalves da Costa, educadora popular e uma das responsáveis pelos temas de educação no movimento.
Para ela, que não larga seus livros, a escola representa também a renovação de toda uma geração sem-terra, a vida futura do movimento. “Um dos valores que eu trago comigo é que minha alfabetização foi no campo. Esse vínculo foi muito forte”, relata.
“Eu voltei a estudar pela convivência social e para entrar mais em detalhes que eu não estudei na minha época. E também para ajudar a segurar essa escola para o futuro. É uma questão de valores. Não é somente escola, mas uma comunidade de alfabetizandos e alfabetizadores. Aqui o aluno é professor também”, conta Antônio Francisco Chagas.
Decreto 107
O projeto do complexo educacional MST, em Ariadnópolis, já tem um processo de desapropriação avançada, assim como a área toda. O governo de Minas Gerais decretou em março de 2016 que o terreno de 82 hectares da Usina Ariadnópolis Açúcar e Alcool S.A. e suas benfeitorias serão desapropriadas por interesse social. “O imóvel descrito no Anexo é necessário ao funcionamento de estabelecimento de ensino e outras estruturas com fins educacionais e sociais”, escreve o decreto.
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Edição: Joana Tavares