Mesmo 30 anos após a morte do mineiro, sua poesia continua viva no imaginário popular brasileiro
"Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."
Esse é um trecho do poema Mãos Dadas, de Carlos Drummond de Andrade.
"Da modernidade para cá, desde o início do século 20, ele se tornou a principal voz da poesia brasileira e talvez da língua portuguesa ao lado de Fernando Pessoa." É assim que o professor de literatura Norival Leme Junior descreve o poeta.
Mineiro natural da cidade interiorana Itabira de Mato Dentro, autor de mais de cinquenta livros entre poesias, prosas e obras infantis, Drummond continua ecoando como uma das principais vozes da literatura nacional. Já são 30 anos desde a morte do poeta. Mesmo sem perceber, sua ampla obra já pertence ao imaginário e à cultura popular brasileira.
“A gente consegue medir um bom poeta pela penetração que ele tem de forma natural no imaginário do povo, do seu país, dos seus leitores. E o Drummond desde muito cedo consegue isso, com 'a pedra no meio do caminho'", explica o professor.
Mas, de onde vinha tamanha criatividade para uma obra tão vasta? Para o poeta, a inspiração para escrever é um misto de sentimento e razão. Nenhum texto nunca sairá perfeito aos olhos do autor, como disse em 1982 em entrevista à jornalista Leda Nagle:
"Eu acho, ao contrário das teorias modernas, que a inspiração existe. A inspiração é o momento em que você sente um impulso, às vezes até uma elevação ligeira da temperatura - você se sente um pouco inflamado, quente, com vontade de fazer alguma coisa. Depois vem a razão, a análise, você vai fazer a frio o poema, agora mais com a razão do que com o sentimento, e não mais com o sentimento. Mas sem abandonar muito o sentimento... É essa mistura.
Essa conjugação de sentimento e de raciocínio ao meu ver é o que vai tocando. Mas, em geral, nunca sai perfeito da primeira vez. Você tem que ler aquilo, reler, mostrar a um amigo, guardar para o dia seguinte."
Segundo o professor de literatura, o que faz o poeta alcançar tantas pessoas com sua inspiração é sua simplicidade é que Drummond consegue ser grande e simples ao mesmo tempo.
Ainda de acordo com ele, a crítica literária divide o poeta em três fases. A primeira, a partir de 1930, seria uma fase intimista, na qual Drummond se coloca como "menor que o mundo", com traços de individualismo e reflexão existencial.
Na segunda fase, definida como "maior que o mundo", o poeta escreve algumas de suas grandes obras, como O sentimento do mundo, em 1940. Ele passa a ter uma perspectiva coletiva da sociedade e se preocupa com os problemas do mundo ao seu redor.
A terceira fase seria a fase do "não". Impressionado com a violência do mundo que assistia à Guerra Fria e às bombas atômicas, o poeta se dá conta da realidade difícil que o povo vivia.
Já no final de sua vida, o poeta tem uma fase ainda mais memorialista, revivendo a infância, a terra natal em Minas Gerais e a família.
Para Norival, a segunda fase é a mais marcante da obra de Drummond.
"Acho que a fase dele 'maior que o mundo', 'coletiva', 'social' é onde tem duas obras muito importantes para a bibliografia dele: O Sentimento do Mundo e A Rosa do Povo. Nessa duas obras ele consegue dialogar e se aproximar mais do povo, se tornando um poeta público e a sua poesia busca uma caracterização do Brasil real", pontua o professor.
Tão importante que foi e é para a literatura, a poesia de Drummond também foi eternizada na música popular brasileira. Em 1980, seu poema "Sonho de um sonho", do livro Claro Enigma, foi inspiração para o samba enredo de mesmo nome da escola de samba fluminense Vila Isabel, de autoria de Martinho da Vila, Rodolpho de Souza e Tião Graúna.
O Brasil vivia um processo de abertura política nos últimos anos da ditadura civil-militar, e o samba cantava o sonho de uma sociedade mais livre, mais democrática e mais aberta ao povo.
Edição: Anelize Moreira