Há um quadro famoso do pintor Francisco de Goya em que retrata com simplicidade e maestria os riscos da omissão da razão diante da barbárie: o pintor está dormente perante suas anotações, no momento entre o estado de alerta e o irresistível sono, quando fantasmas e monstros surgem nas sombras. Diante da crise de destino vivida pelo nosso país, nunca foi tão importante o estado de alerta da razão e do conhecimento crítico diante do ódio e da irracionalidade da classe dominante.
O dia 06 de dezembro de 2017 será lembrado na história da universidade brasileira como mais um divisor de águas na resistência da universidade contra o conservadorismo. O golpe dado contra a democracia e o regime de exceção instaurado pelos inimigos do povo brasileiro elege hoje a universidade pública como alvo de seus ataques. Não bastasse o suicídio do reitor da UFSC alvo de perseguição política, a polícia federal invadiu a Universidade Federal de Minas Gerais levando em condução coercitiva o reitor e a vice-reitora daquela instituição em uma operação significativamente intitulada a “Esperança Equilibrista”.
O Crime cometido? Ousaram colocar a universidade em prol da memória, da verdade e da justiça. Três coisas que voltaram a ser proibidas no país. Toda operação está montada em suposta irregularidade na construção do Memorial da Anistia, erguido com coragem pela UFMG. Não é à toa a atual criminalização da universidade pública: ela é, como o fora também durante a ditadura militar, uma trincheira da resistência democrática. Nesse sentido, nos orgulhamos de estar do lado certo das barricadas ocupando a universidade para defendê-la daqueles que querem a destruição do pensamento crítico no Brasil.
Foi isso o que aconteceu em Pernambuco quando os campus da UFPE foram ocupados contra o corte de gastos perpetrado pelo golpista Michel Temer. Defender a universidade pública, gratuita e de qualidade; defender a democracia e posicionar-se contra toda forma de injustiça é função de todos e deveria ser também a de toda reitoria, a exemplo da UFMG e de vários reitores que se manifestaram em sua solidariedade.
Infelizmente esse não é o caso da reitoria da UFPE, nem de seu reitor Anísio Brasileiro. O conselho universitário da UFPE, na contramão da missão histórica da universidade, protagonizou o primeiro episódio de perseguição ao movimento estudantil após o golpe de 2016 resolvendo punir estudantes que lutaram contra o corte de verbas. O movimento estudantil e diversos movimentos populares esforçaram-se para uma audiência com o reitor sobre o caso e foram solenemente ignorados. Imaginava-se que não seria a UFPE a corroborar com a perseguição daqueles que lutam, justamente quando a universidade é atacada pelas forças mais retrógradas da sociedade brasileira. No entanto, o reitor resolveu sinalizar positivamente aos setores mais reacionários da universidade costurando com eles a proposta de suspensão dos estudantes aprovada pelo conselho.
Somente após a ocupação do pátio da reitoria com o movimento estudantil, o Movimento dos Sem Terra e a Frente Brasil Popular é que foi marcada uma audiência com o reitor Anísio Brasileiro. Ainda tínhamos alguma confiança, senão na convicção democrática, ao menos na capacidade de diálogo da reitoria. Esta já não existe: o reacionarismo tomou conta do prédio. Na audiência estavam não só estudantes da graduação e da pós-graduação, mas alguns egressos da instituição, um renomado doutor em economia formado pela instituição e um dos principais dirigentes e fundador do MST. Todos bolsas e corpos revistados e, ao adentrar a sala do reitor, foram recebidos por este e uma oficial de justiça com a exigência de assinar mandado proibitório com claro intuito de intimidar os militantes e movimentos ali presentes.
Quando interditada no espaço onde deveria ser cultivada, a razão e o bom senso brotam onde a arrogância intelectual menos espera. Nesse mesmo dia 06 de dezembro, perto da reitoria, dois militantes do Movimento Sem Terra, injustamente acusados e presos por conta da violência dos conflitos de terra em Pernambuco, eram inocentados pelo júri, que reconhecia o iminente caráter político e persecutório das acusações.
Em tempos onde o conservadorismo e o ódio ameaçam tomar conta de corações e mentes, não há perigo maior do que o silêncio do pensamento crítico diante da barbárie. Pior ainda é quando aqueles que se acreditam na vanguarda do progresso e da ciência, abrem espaço para a barbárie e irracionalidade na universidade pública. A luta de estudantes, professores e servidores por uma universidade livre, pública e aberta ao povo brasileiro continua. A luta da classe trabalhadora por direitos e por justiça seguirá.
Não deixaremos que os sonhos da razão alimentem o conservadorismo reacionário. Seguiremos rompendo os muros que separam a universidade de sua missão histórica, seguiremos acordando a razão para que se torne força de mudança social e resistência diante da barbárie!
Eduardo Mara é doutor em Serviço Social pela UFPE e dirigente nacional da Consulta Popular.
Edição: Monyse Ravena