Licenciamentos de hidrelétricas, rodovias e cemitérios, fiscalização da destinação final dos resíduos sólidos, controle e fiscalização do transporte de destinação de produtos tóxicos e perigosos. Três exemplos das diversas atribuições do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), prejudicadas pela falta de funcionários. O IAP nunca teve concurso público, nem mesmo quando foi criado, em 1992. O quadro funcional do órgão é formado por servidores vindos da fusão entre a Superintendência dos Recursos Hídricos e Meio Ambiente (Surehma) e do Instituto de Terras, Cartografia e Florestas (ITCF), que deu origem ao IAP. Os últimos concursos ocorreram em 1988, na Surehma, e em 1990, no ITCF.
Dados do setor de Recursos Humanos do IAP revelam a transformação ocorrida ao longo de 25 anos. O corpo funcional no início da década de 1990 era de 1.200 servidores. Atualmente são 468 efetivos, 36 cargos em comissão e 185 estagiários. Na prática, quadro funcional reduziu a quase a metade, sendo um terço de comissionados e estagiários.
O cenário se agrava com a aproximação do tempo de aposentadoria dos servidores: entre janeiro e agosto de 2017 houve 55 novos pedidos de aposentadoria. De acordo com o RH, a maioria dos funcionários concursados já tem os requisitos para se aposentar – uma vez que estão há quase 30 anos na folha do Estado, sem contar trabalhos anteriores.
É regra, não exceção
A situação do IAP se repete em outros órgãos do sistema de proteção do meio ambiente do Paraná. Na Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMA), o número de funcionários já foi 112 no total: 81 efetivos, 31 comissionados, sendo 14 engenheiros. Hoje são 77, sendo a maioria via cargo em comissão: 36 efetivos, 41 comissionados, e 10 engenheiros.
De acordo com o RH da SEMA, o enxugamento do quadro de funcionários efetivos se deve à realocação de 34 servidores para o quadro inicial do Instituto de Terras, Cartografia e Geologia (ITCG), criado em 2005. O ITCG, por sua vez, reduziu o quadro de servidores de 46 para 38, com a chegada de 17 cargos em comissão. Com a extinção da Mineropar, em dezembro de 2016, 46 servidores celetistas foram vinculados ao Instituto.
Assim como o IAP, o grande número de servidores com requisitos para se aposentar indica a redução do quadro dos outros dois órgãos: na SEMA, oito servidores estão em processo de aposentadoria, e dos 36 efetivos, pelo menos 25 podem requerer o benefício, conforme informações do setor de RH da Secretaria. Já no ITCG, quatro servidores estão com processo de aposentadoria em tramitação.
Wilson Roberto Saboya, servidor da equipe de Recursos Humanos da SEMA, afirma que a redução no número de funcionários não prejudica a execução das atribuições, uma vez que a Secretaria “consegue realizar suas atividades normalmente devido à descentralização de algumas funcionalidades para estas autarquias”. Estão sob o controle da SEMA o IAP, o ITCG e Instituto das Águas do Paraná.
Exemplo do CAR
Aprovado em 2012, o novo Código Florestal trouxe um significativo volume de trabalho a mais para o IAP, que assumiu a Gestão do Sistema de Cadastro Ambiental Rural, do CAR, do Paraná. O trâmite trazido pela nova legislação consiste em cada proprietário rural realizar o seu cadastro, que posteriormente deverá ser analisado pelo IAP. O órgão tem a demanda de analisar cerca de 400 mil cadastros (CARs) de imóveis rurais, que pode ser feita por técnicos contratados pelo Instituto – atualmente, oito analistas estão contratados. No entanto, a validação da análise deve ser feita por um servidor público.
Para Claudia Sonda, engenheira florestal, servidora do IAP e diretora do Senge Paraná, a execução do CAR é um exemplo emblemático da frágil atuação pela falta de funcionários. Ela é servidora do IAP há 30 anos, concursada no antigo ITCF , em 1987, e atua, desde então, na implementação de políticas públicas socioambientais. Atualmente, trabalha diretamente o CAR e explica que a validação do cadastro deve ser feita por gerentes operacionais em cada um dos 21 escritórios regionais do Instituto: “Nós estamos com uma dificuldade tremenda de definir os gerentes operacionais, porque às vezes o que restou no escritório regional do IAP é um servidor, e alguns, somente estagiários. Este servidor tem que fazer o licenciamento, rural e urbano, fiscalização de posto de gasolina, cemitério, indústria etc e também tem que ser Gerente Operacional do CAR, que significa validar os CARs, analisados pelos técnicos, de todos os municípios da sua regional. Sem dúvida, é um desafio muito grande”.
Na avaliação da engenheira florestal, a implementação do CAR pode ser um avanço substantivo para uma gestão socioambiental adequada à pluralidade de realidades paranaense e brasileira, para garantir “um meio ambiente saudável para todos e todas, e para sempre”. Mas, para que isso seja efetivado, Claudia garante que “é dever do estado promover concursos públicos, ampliando o quadro de servidores, engenheiros e técnicos, sob pena de fragilizar, senão abortar, essa bela e eficiente possibilidade de gestão socioambiental para o país”.
A promotora de justiça Ana Paula Pina Gaio, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público do Paraná, atua diretamente com os povos e comunidades tradicionais do estado, que dependem do IAP especialmente em dois aspectos: na efetivação do CAR e no exercício do poder de polícia das fiscalizações para a proteção territórios. Ana Paula entende que a ausência de concurso público prejudica o exercício das atividades próprias do órgão de forma rápida e eficiente. “Realmente, a ausência de concurso público e o anúncio de tantas aposentadorias no IAP, coloca em risco o exercício das atividades essenciais para a proteção do meio ambiente, e pode levar a um colapso do órgão, sendo lamentável a notícia de que o mesmo ocorre no ITCG”.
Na avaliação da promotora, a falta de funcionários no órgão ambiental coloca em risco uma missão imprescindível do Estado: “Acho que isso compromete sim as obrigações do próprio Estado do Paraná na proteção efetiva do meio ambiente, sendo que a ausência de estruturação dos seus órgãos ambientais pode ser tida como uma omissão que gera consequências negativas de grande repercussão. Não dá para deixar colapsar e cruzar os braços frente a essa situação”.
A demanda pela realização de concurso público para o IAP não vem de hoje – atravessa diferentes gestões do governo e do próprio Instituto. O atual presidente do IAP, Luiz Tarcísio Mossato Pinto, garantiu, por meio da assessoria de imprensa, que tenta fazer o concurso desde o início de sua gestão, em 2011. “Mas, por estarmos sempre perto do limite prudencial do Estado e, apesar de termos a autorização do governador para tal, não estamos conseguindo autorizar o concurso para o IAP”, explica a assessoria.
Saídas arriscadas
No início de novembro, o governo do Paraná lançou um programa que diz respeito diretamente à defasagem no quadro funcional do sistema público de meio ambiente. Trata-se de uma Residência Técnica em Engenharia e Gestão Ambiental, para capacitar profissionais para atuar no IAP, ITCG e Instituto das Águas do Paraná, com início previsto para o primeiro semestre de 2018. Serão abertas 120 vagas, voltadas para engenheiros, arquitetos, biólogos, geógrafos, geólogos, advogados e funcionários públicos.
O programa consistirá em um curso de especialização em Engenharia e Gestão Ambiental, por meio de ensino a distância coordenado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, e residência técnica no IAP, ITCG e Instituto das Águas do Paraná. São estas três instituições que bancam os R$ 5,24 milhões investidos no programa.
Entre os objetivos centrais está agilizar licenciamento ambiental do Estado. Nas palavras do governador Beto Richa (PSDB), em divulgação oficial, a proposta é um “avanço necessário para dar uma estrutura maior aos nossos órgãos ambientais”, admitindo haver “uma grande demanda por avaliações e licenças ambientais”.
Na mesma linha, o presidente do IAP, Luiz Tarcísio Mossato Pinto, frisou o papel do programa como acelerador do processo de emissão de licenças ambientais pelo Instituto. Em divulgação no site do governo, o presidente afirmou que o órgão precisa “de gente para trabalhar”: “Eles darão um fôlego para que possamos tocar os grandes projetos do Estado com mais agilidade no licenciamento ambiental”, explicou Luiz Tarcísio. O IAP terá 70 das 100 vagas oferecidas para residência.
Conforme a projeção do programa, a celeridade dos licenciamentos ambientais, entre outras ações do serviço público ambiental, será viabilizado por residentes pagos com bolsa-auxílio mensal de R$ 1,9 mil, que vão atuar durante dois anos.
Claudia Sonda vê o programa com preocupação, por incluir a figura de residentes entre as formas de “terceirização” de serviços estratégicos como licenciamento ambiental, que, muitas vezes envolvem uma disputa entre interesses econômicos e a preservação do meio ambiente. Atualmente, os cargos em comissão e estagiários já somam um terço do quadro de funcionários do IAP.
Para diretora do Senge, a estabilidade e a “fé pública” que caracterizam a atividade do servidor público são critérios decisivos para a execução de ações como os licenciamentos: “Por que é necessário ter estabilidade? Dentre outras razões, também é para você poder dizer não quando tem que dizer não, e sim quando é sim. E não perder o emprego. O cargo em comissão, por mais correto que seja, vai estar sob uma pressão maior”. O quadro se agrava, na avaliação da engenheira, pelo cenário de desemprego que atinge o Brasil. “O deferimento ou indeferimento de qualquer empreendimento requer uma análise técnica consistente e imparcial, sempre pautada pela missão institucional do IAP que é a proteção do meio ambiente. O interesse privado não deve se sobrepor ao interesse público”, alerta.
Edição: Franciele Petry Schramm