A redução da maioridade penal, que constantemente ronda o debate público no país, é uma das pautas que estão na agulha da bancada conservadora do Congresso Nacional para este semestre. Enquanto parlamentares reacionários tratam o tema como uma questão de segurança pública e sob um viés policialesco, diversos segmentos da sociedade civil organizada se articulam para, mais uma vez, tentar barrar a medida.
O psicólogo Rubens Bias, da Campanha contra a Redução da Maioria Penal, destaca que o debate traz, na essência, a concepção que uma parte da sociedade brasileira tem sobre a infância.
"Em muitos aspectos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é muito progressista, avança e, ao mesmo tempo, a gente tem uma sociedade muito conservadora, punitivista que fica cobrando soluções que passam mais por infringir sofrimento às crianças do que por um viés mais pedagógico, educativo", analisa.
O movimento sustenta que adolescentes em conflito com a lei não podem ser destinados ao sistema prisional porque são sujeitos em processo de formação. A lógica é a mesma que embasa a legislação brasileira, que prevê o acolhimento desse público pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
Criado conceitualmente sob a concepção de direitos humanos, o modelo incorpora políticas de assistência social, educação, cultura, entre outras voltadas aos adolescentes que têm a partir de 12 anos.
Para o advogado criminalista Gabriel Sampaio, ex-assessor parlamentar do Ministério da Justiça no governo Dilma, apesar das falhas na execução das políticas do Sinase, uma eventual redução da maioridade penal condenaria os adolescentes a um futuro de risco. Ele destaca que o sistema atual está mais voltado para os preceitos constitucionais do país.
"Sair desse modelo pra repetir os erros do sistema penitenciário é algo que não se explica por nenhuma racionalidade. O país teria muito a perder", defende.
Em contrapartida, ele ressalta que o sistema carcerário tende a comprometer o destino dos internos porque acumula problemas potencialmente mais graves, entre eles um maior acesso ao mundo do crime organizado.
"É um sistema que, na sua raiz, está falido, que envolve um gasto do Estado pra promover condições que só aumentam a vulnerabilidade da pessoa presa e da própria sociedade, porque é um sistema que não ressocializa. Ele não deve servir de modelo pra nada na nossa sociedade", argumenta.
Sociedade
Segundo pesquisa Datafolha, o apoio à redução da maioridade penal para crimes graves teria aumentado de 2015 para 2017 entre a população brasileira. Divulgada no início deste mês, a cifra passou de 25% para 36% nesse período.
O militante Douglas Belchior, do movimento Uneafro Brasil, assinala que as tentativas de redução da idade penal têm como antecedente histórico o contexto da luta de classes no Brasil.
"A elite [brasileira] não tem um projeto de país. Ela entrega nossas riquezas, em todas as suas dimensões, pra interesses externos, em troca de regalias, em troca de uma boa vida e, em nome disso, entrega a vida da sua população. Entrega, sob a égide da opressão, a vida daqueles que produzem a sua riqueza", analisa.
Segundo levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) feito em 2017, 55% da população carcerária do Brasil são formados por jovens que têm entre 18 e 29 anos. Do total de presos, 64% são negros. Douglas Belchior aponta que uma eventual modificação da maioridade penal tenderia a mirar ainda mais esses dois segmentos da população.
"É um projeto genocida. É a continuidade do projeto genocida do Estado brasileiro, hoje super representado por esse grupo que está no poder", critica.
Diante das estatísticas, a militante Jessy Dayane, do Levante Popular da Juventude, defende uma inversão de prioridades por parte do Estado, com maior investimento em políticas públicas voltadas para o segmento e menor incentivo à lógica punitivista.
"A saída para a juventude é ampliar as possibilidades, e não apresentar o encarceramento como uma solução", finaliza.
Edição: Mauro Ramos