Os deveres legais do Judiciário e do Ministério Público (MP) são aplicar a lei e a fiscalização, respectivamente. Mas são esses os papéis que as instituições de Justiça estão cumprindo? Para alguns pesquisadores, não exatamente.
Luciana Zaffalon Leme Cardoso, advogada e autora da tese de doutorado Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativista, indica que a “razão de ser” de cada uma dessas instituições é secundarizada diante das demandas econômicas – ou seja, salariais – dos seus próprios membros. Para ela, a expansão destes órgãos busca preservar sua posição privilegiada.
“Sempre com reformas legais que parecem que vão de alguma forma atender o interesse público, mas na verdade só geram efeitos concretos de benefícios corporativos para as carreiras”, resume.
Ao privilegiar questões econômicas, que determinam as eleições dos chefes das instituições, tais órgãos deixam de fiscalizar, e julgar, a atuação dos outros Poderes, como, por exemplo, as violações promovidas por forças de Segurança Pública.
A questão salarial de magistrados no Brasil é alarmante. A maior parte dos juízes brasileiros recebe acima do teto estabelecido na Constituição, de R$ 33.763,00, o equivalente ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso ocorre pois, além do salário nominal, são recebidas verbas complementares, como auxílio-moradia.
A título de exemplo, dados levantados comprovam que, em julho de 2017, o Tribunal de Justiça (TJ) de Minas Gerais pagava salários acima do teto para 98% dos magistrados. Em âmbito nacional, três a cada quatro juízes estaduais recebem o auxílio para habitação, independentemente do município onde morem. Somado aos auxílios alimentação e saúde, os tribunais de Justiça gastam R$ 890 milhões ao ano.
Composição
Com altos salários, as categorias do sistema de Justiça são de difícil acesso e reproduzem desigualdades históricas. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 15% dos magistrados brasileiros são negros. No rol histórico dos chefes do TJ e do Ministério Público de São Paulo, não há qualquer negro, ou mulher. Este número, segundo Zaffalon, só passou a aumentar no Judiciário paulista após as provas deixarem de ser identificadas pelo nome do candidato, tendo apenas um código como referência.
Para Armando Boito, professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de defenderem os próprios interesses, promotores e juízes passaram a ser representantes políticos da alta classe média, especialmente no recente cenário político. Ele defende que a concepção formulada por estes setores em torno do “combate à corrupção” é uma necessidade ideológica, cujo objetivo é justificar sua existência enquanto categoria, e de seus privilégios.
“Ela [atuação] é uma novidade da conjuntura. O Ministério Público não agia como representante [político] da classe média antes de 2013. Foram as circunstâncias políticas que criaram esse fenômeno”, diz Boito.
O cientista político explica que, neste sentido, a classe média alta combate o que entende por corrupção em nome de seus privilégios, justificados pela meritocracia, mas que, em alguma medida, também representam apropriação de recursos públicos.
Edição: Nina Fideles