A Praça da Matriz, no centro de Porto Alegre, cenário da Campanha da Legalidade, foi palco novamente de um ato nesta terça-feira (23) que, como a campanha da legalidade comandada por Leonel Brizola em 1961, entrará para a história do Brasil. Tal como a luta pela posse de João Goulart, liderada pelo então governador, a manifestação de hoje, pelo direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato à Presidência da República, comandada por milhares de mulheres, defende o respeito às leis e um julgamento isento de pretensões políticas.
O ato, inicialmente previsto para ocorrer em um auditório da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, reuniu, na praça pública da capital gaúcha, políticos de diferentes partidos e cidadãos de todas as regiões do Brasil, e até do exterior.
"Minhas raízes são da terra, minha família é da agricultura familiar. Hoje estou aqui porque essa luta é de todos nós, para defender a democracia. O Lula merece essa luta, ele nos representa. Desde que houve o golpe, sentimos muitas diferenças, os trabalhadores da terra não têm mais apoio nenhum, acabou o financiamento, que foi para o agronegócio. Esse governo Temer acabou com a agricultura familiar”, afirmou Irdes Guadagnin, de 59 anos, trabalhadora rural aposentada e educadora popular.
"Estou no Brasil em defesa da democracia e rodei mais de mil quilômetros para estar aqui. Entendemos que o que acontece no Brasil e na Argentina pode refletir no Uruguai, onde querem tirar os avanços que tivemos”, disse o dirigente sindical uruguaio Raúl Ferrando.
O caminhão de som parado em frente à Assembleia recebeu parlamentares como as deputadas federais Maria do Rosário (PT-RS), Alice Portugal (PCdoB-BA) e Benedita da Silva (PT-RJ), a deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e as senadoras Lídice da Mata (PSB-BA), Fátima Bezerra (PT-RN), Gleisi Hoffmann (PT-PR, presidenta nacional do partido), entre outros parlamentares. Movimento estudantil e coletivos da juventude tiveram forte presença.
"O povo se encontra nas ruas em apoio à Lula a ter o direito de ser candidato. Condená-lo significará condenar também o país e os trabalhadores. Tivemos no governo Lula uma mudança no país, com mais inclusão. Agora, com os investimentos congelados e as reformas infames, o povo está junto em defesa da democracia”, afirmou Benedita da Silva.
"Sem crime, cassaram a primeira mulher a vestir a faixa presidencial. Agora querem cassar o retirante nordestino que não fala inglês e nem francês, mas fala a língua do povo", exclamou Alice Portugal.
Pré-candidata à Presidência da República, Manuela enfatizou que não cabe ao Judiciário fazer juízo político. "O que estamos vendo é o desdobramento do golpe. O único juízo político é o das urnas e é esse que queremos ver Lula sendo submetido." Olhando a multidão que ocupava a Praça da Matriz, ela lembrou versos do poeta Thiago de Mello:
Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.
Interesses escusos
A manifestação, realizada na véspera do julgamento do recurso de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), foi encerrada com discurso da ex-presidenta Dilma Rousseff, que classificou o golpe em curso como um ato que humilhou o país.
“Colocaram o Brasil de joelhos, submetido não aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos países do Norte”, disse. Para ela, o golpe teve como objetivo destruir o PT e o Lula, mas “deu errado”. E citou pesquisas eleitorais que colocam o ex-presidente como favorito nas eleições de outubro.
"O golpe fracassou politicamente, nenhuma liderança 'deles' resiste ao escrutínio popular. O único que restou, o Alckmin, não tem apoio. E a 'invenção', como o Doria, foi transformada na sua real proporção, ou seja, do ponto de vista político, a nada."
Dilma lembrou o papel histórico que a Praça da Matriz já teve no destino do Brasil durante a Campanha da Legalidade, situação que volta a acontecer 57 anos depois. "Estamos numa resistência democrática. Antes era a ditadura militar nesta praça, agora é a resistência ao golpe parlamentar."
Como tem feito em outros eventos públicos, a ex-presidenta voltou a enfatizar que seu impeachment foi o primeiro ato do golpe; seguido pelo segundo ato, expresso nas reformas e leis aprovadas no governo Temer, e que "jamais" teriam apoio popular; até chegar ao terceiro ato, a proibição de Lula ser candidato à Presidência.
Dilma afirmou que o julgamento de Lula tem “absurdos” reconhecidos por juízes nacionais e internacionais e que, na verdade, é um processo de perseguição política. “Com o apoio de vocês, Lula terá condições de lavar e enxugar a alma deste país.”
Edição: Rede Brasil Atual