O clima punitivista que se criou na grande mídia brasileira e nas classes mais conservadoras em relação à possível prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de um julgamento em última instância – definitivo – vem sendo fortemente combatido por juristas que acompanham o caso.
O motor do discurso conservador é alimentado pelo entendimento – fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2016 – de que uma condenação em segunda instância justificaria a aplicação imediata da pena imposta ao réu.
De caráter polêmico, o entendimento é criticado por parte dos atores do campo jurídico e não tem unanimidade nem mesmo dentro do próprio STF. Na ocasião em que a Corte julgou um caso relacionado ao tema e fixou a referida decisão, por exemplo, o placar final foi de 7 a 4 entre os ministros.
A jurista e professora Beatriz Vargas, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), comenta que "o próprio Supremo já tem sinalizado no sentido de que é possível rever essa situação e novamente erigir uma jurisprudência garantista".
Na prática, o entendimento do STF significa que os tribunais podem decretar a prisão do réu após uma eventual condenação em segunda instância, mas não que necessariamente haverá automaticamente uma prisão.
No caso do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), onde Lula foi julgado nessa quarta-feira (24), há uma súmula que determina a execução imediata da pena. Com isso, diante da unanimidade do voto dos três desembargadores que analisaram o processo, cabe a apresentação de um tipo de recurso chamado "embargo de declaração".
Tecnicamente, Lula poderia ser preso somente após o julgamento dos embargos. A anulação dessa possibilidade caberia, então, a uma decisão do STF ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Beatriz Vargas destaca que, assim como o Supremo, o órgão não tem consenso em relação a esse tipo de caso, o que abre a possibilidade de o petista ter a decisão do TRF-4 revista.
"Há inúmeras exceções, que foram concretamente examinadas por esses dois tribunais", assinala a professora.
Constituição Federal
O advogado criminalista Patrick Mariano, da Frente de Juristas pela Democracia, explica que a aceitação da prisão após decisão de segunda instância encontra bastante resistência no meio jurídico porque estaria contrariando o princípio constitucional de que todos são inocentes até que se prove o contrário.
Mariano considera preocupante a forma como o debate sobre o caso triplex vem sendo conduzido pelo Judiciário e pelos meios de comunicação de massa.
Ele rebate a ideia de que Lula precisaria ser preso após a decisão da 8a Turma do TRF-4, o que foi sinalizado pelo desembargador Victor Laus durante o julgamento dessa quarta e tem sido endossado pelo discurso dos grandes jornais.
"Estão apostando numa decisão do Tribunal, mas esquecendo o que prevê a Constituição. O STF disse que poderia prender após os trâmites serem julgados em segunda instância, mas depois viu o absurdo que essa decisão representa, porque essa medida tem impacto em todo o sistema de Justiça e prisional brasileiro. Já era para terem revisto, mas ainda não o fizeram. Possivelmente farão este ano, mas vão fazer antes ou depois do Lula?", questiona.
Mariano, então, conclui: "Se você me perguntar se o Lula pode ser preso, eu respondo: sim, ele pode ser preso. Mas essa prisão seria legal? Não, é ilegal, não tem amparo na Constituição".
Para o advogado, o clima de prisão é criado e estimulado pelos meios de comunicação "justamente para estimular uma ação arbitrária. É uma tentativa de criar um clima e forçar os agentes públicos para que façam aquilo que eles estão pedindo. Existe todo um conluio entre Judiciário e mídia: Os meios de comunicação dizem como o Judiciário deve decidir, e depois [esses agentes públicos] são escolhidos como personalidades do ano por esses mesmos meios. É uma coisa que se retroalimenta", argumenta.
Celeridade
Para o líder do PT na Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), a associação entre o discurso dos jornais tradicionais e setores conservadores do Judiciário a respeito da prisão do ex-presidente estaria fundada na necessidade de barrar o crescimento do apoio popular ao petista.
“Quanto mais Lula cresceu nas pesquisas, mais a Justiça acelerou os processos para impedir sua candidatura. Setores do Judiciário atuam com a grande mídia para impedi-lo de ser candidato", acredita.
O PT tem criticado ainda os elementos que levaram à celeridade do processo do caso "triplex" no TRF-4. Para Pimenta, a agilização dos trâmites estaria conectada ao interesse pela condenação do petista.
"Todas as questões estão interligadas -- a mudança da data do julgamento; o fato de ter sido tomada uma decisão que não respeita a ordem cronológica; o fato de o relator pedir pauta, fazendo com que o processo do Lula pulasse diante de outros 57; o fato de os votos [dos desembargadores] determinarem a mesma pena", enumera.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque