Previdência

Em conversa com Silvio Santos, Temer fez propaganda irregular, dizem especialistas

Participação do emedebista no programa de auditório pode ser considerada "uso abusivo" de concessão pública da TV

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Desde o ano passado, Temer e o dono do SBT conversam sobre apoio à reforma da Previdência
Desde o ano passado, Temer e o dono do SBT conversam sobre apoio à reforma da Previdência - Reprodução

A participação do presidente golpista Michel Temer (MDB) no programa de auditório do apresentador Silvio Santos no último domingo (28), com o objetivo de defender a reforma da Previdência, é considerada irregular por especialistas em radiodifusão.

Veridiana Alimonti, advogada e integrante do Conselho Diretor do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), lembra que, como concessões públicas, as emissoras têm que seguir leis constitucionais de veiculação de conteúdo e não podem fazer acordo com governos para veicular propagandas políticas.

"É muito complicado, absolutamente problemático e inclusive ilegal que um concessionário de serviço público faça um acordo sem transparência com o poder público para fazer propaganda de um projeto que vai retirar direitos da população brasileira em massa, porque está se utilizando, a partir de interesses privados, de um serviço público que deveria informar a população e não desinformar", afirmou.

Sem contraponto

O artigo 221 da Constituição Federal prevê que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender, prioritariamente, a finalidades educativas, artísticas e culturais. 

No entanto, a jornalista Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), considera que, durante toda a conversa entre Temer e Silvio Santos, a reforma e seus supostos benefícios foram anunciados como única solução para os desafios previdenciários no país, sem qualquer contraponto crítico. 

"O uso abusivo dos meios de comunicação para impor uma agenda política é um atentado contra a democracia e contra o próprio papel que esses meios de comunicação deveriam cumprir, que é o de oferecer à sociedade pontos de vista diversos para que ela possa formar opinião sobre os assuntos fundamentais do país", pontua a jornalista.

Em frente ao auditório do programa do SBT, Temer afirmou que, sem a aprovação da proposta, os estados não terão como pagar a aposentadoria e que a medida não afeta os mais pobres — o que diverge da opinião de economistas e de movimentos populares.

A postura do emedebista no SBT também fere as normas que regem as campanhas feitas no âmbito da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom). De acordo com a legislação, os recursos públicos para comunicação institucional devem ser aplicados em peças de caráter informativo ou educativo.

Até junho de 2017, o governo federal já havia gasto mais de 59 milhões de reais com a campanha publicitária "Previdência: Reformar hoje para garantir o amanhã", cuja verba inicial estava orçada em R$ 13 milhões de reais.

Questionada pelo Brasil de Fato, a Secom esclareceu que já foram gastos R$ 103.606.868,88 em campanhas para a aprovação da Reforma da Previdência. Sobre o montante total a ser gasto, o órgão explicou que a campanha atual ainda está em planejamento.

Acordos midiáticos

As conversas entre o SBT, de propriedade do próprio Silvio Santos, e o governo federal para promoção das reformas trabalhista e da Previdência vêm ocorrendo desde o primeiro semestre do ano passado. 

Em abril de 2017, Temer chegou a jantar com o empresário para tratar do tema. Logo após o encontro, o canal passou a exibir vídeos próprios favoráveis à então Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que alterava as regras da aposentadoria. 

O Ministério Público do Trabalho chegou a emitir, em julho do ano passado, um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) para que o SBT suspendesse as propagandas enviesadas sobre a aprovação da Reforma da Previdência. Os vídeos traziam frases como: “Você sabe que se não for feita a reforma trabalhista, você pode deixar de receber o seu salário?”. Caso a emissora descumprisse o acordo, deveria pagar R$ 10 mil por vídeo veiculado. 

Para Mielli, a ofensiva do governo, que poderia ser caracterizada como abuso de poder, não tem precedentes na história recente do país: "Eu não me recordo de um presidente da República ou ministros participarem de um programa de auditório para divulgar uma proposta política do governo. Tivemos presidentes em bancadas de jornais, entrevistados por veículos de comunicação — isso é comum. Mas em programas de auditório, do jeito que foi essa captação do Temer no programa do Silvio Santos, eu arrisco dizer que foi a única."

A jornalista afirma ainda que o encontro de Temer no SBT evidencia que as empresas privadas de comunicação  estão a serviço da política do atual governo de "maneira totalmente incondicional".

Já Veridiana Alimonti questiona se a participação de Temer no programa de Silvio Santos poderia ser caracterizada como uma propaganda travestida de entrevista jornalística. 

"A questão que já se conversa há algum tempo é a própria consideração do que é publicidade, até porque a legislação de radiodifusão tem um limite geral, segundo o qual, a publicidade não poderia passar de 25% da programação. Tem que se verificar se essa participação de Temer no programa se enquadra ou repete as mesmas preocupações, até pelo formato e pela falta de questionamento, se ela se enquadra nas mesmas preocupações que levaram a firmar o TAC", diz.

A proposta de reforma da Previdência deve entrar na pauta do Congresso Nacional na próxima semana, a primeira após o recesso parlamentar. Nesta segunda-feira (29), Temer repete a participação no SBT e vai participar do Programa do Ratinho. 

Edição: Vanessa Martina Silva