O povo reagiu, pois a vida só tem piorado desde o golpe de Estado
Vivenciamos o recente julgamento do ex-presidente Lula que certamente marcará a história do Brasil. O país, em que os períodos democráticos são exceções, viveu mais um episódio de ataque à democracia, rompendo garantias fundamentais inscritas na Constituição de 1988.
Dessa vez não são as botinas que ameaçam tirar das mãos do povo o direito de decidir sobre o seu país, mas sim a ditadura da toga que tem imperado. Por se acharem tão inquestionáveis e superiores à democracia, “os de toga” conduziram um processo sem absolutamente nenhuma prova, dando uma aula televisionada ao Brasil sobre convicções, achismos e intuições. O que vale é ser amigo fiel do juiz Sergio Moro. O corporativismo superou a lei, superou a Constituição. Aprendemos também que os noticiários da rede globo também são peça chave para as decisões da justiça brasileira. Uma verdadeira novela de roteiro pobre!
Estive durante os dias 22 a 24 de janeiro em Porto Alegre e pude ver a intensa mobilização de milhares de trabalhadores acampados na beira do rio Guaíba. A cada dia mais pessoas – muitas vezes a família inteira - se somavam ao conjunto de atividades e atos de solidariedade. No primeiro dia de atividades, aconteceu o ato histórico de transferência da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) para o DCE da UFRGS em Porto Alegre, repetindo o gesto feito em 1961 na campanha da legalidade. No dia seguinte, as mulheres tomaram as ruas num grande ato com a presidenta Dilma.
Na tarde do dia 23, uma marcha de milhares de camponeses partiu do acampamento e encontrou uma multidão na esquina democrática para um ato com Lula. Nesse ato, houve uma expressão de unidade das forças populares e de partidos políticos jamais vista nos últimos anos, com a participação de organizações que apoiaram o governo Lula, mas também aquelas que fizeram oposição. Com a presença de importantes lideranças como o dirigente do MST, João Pedro Stedile, o senador Roberto Requião (MDB), a deputada estadual Manuela D'Avila (PCdoB), o ex-ministro das Cidades Olívio Dutra (PT), o coordenador do MTST, Guilherme Boulos, entre outros.
Se os juízes precisaram se isolar do povo num bloqueio terrestre com raio de dois quilômetros, com escolta, bloqueio naval e aéreo; para o ex-presidente Lula era preciso alargar as ruas da capital gaúcha para que todos pudessem vê-lo e prestar solidariedade. Como já diz a marchinha de Capiba, “queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato campeão”.
Lula caminha no meio do povo, é aclamado pela maioria da sociedade brasileira e também fora do país. Sua sentença já é dada pela justiça popular: foi um dos melhores presidentes do Brasil, que mais trabalhou pelo povo pobre no nosso país! Incansável defensor da democracia e da soberania, que lutou para o Brasil se desvencilhasse do complexo de vira-lata.
A reação a esse conjunto de mobilizações foi, como de costume, a repressão e criminalização, tendo como o fato mais emblemático a prisão de 26 jovens do Levante Popular da Juventude, Via Campesina e Mídia Ninja em Porto Alegre, que foram agredidos, tiveram a casa invadida e pichada pela polícia, numa verdadeira revelação de ódio e desrespeito ao direito de se manifestar. Tudo isso com a intenção de intimidar os que ousam se levantar contra o Estado de exceção que se instaura no nosso país.
A ação da polícia não seguiu absolutamente nenhum rito previsto legalmente. Enquanto os advogados foram impedidos de ver a juventude que foi presa, a TV RBS estava filmando e intimidando as jovens no camburão, aparentando um movimento muito bem orquestrado entre a polícia e a filial da Rede Globo.
Além disso, as jovens ficaram por horas no escuro, sem acesso a água, banheiro e comida. Quando houve algum contato foi através de uma câmera dos policiais dizendo que caso afirmassem que votariam em Bolsonaro na gravação do vídeo seriam liberadas. Isso evidencia o real motivo da prisão: a juventude não foi criminalizada por queimar pneu, mas sim por ter uma posição política contrária aos dominantes do nosso país. Esse fato é característico de períodos ditatoriais.
Uma imensa solidariedade foi gestada por várias organizações da sociedade civil. Sem dúvidas, esse apoio fortalece nossa juventude para erguer a cabeça mesmo depois de tanta violência e permanecerem no lugar onde estão! Na luta por um país mais justo e democrático!
A lição que conseguimos extrair desses dias é a certeza de que a bola está em campo e que o time da elite, embora esteja impondo autoritariamente seus interesses, tem enfrentado o time do povo brasileiro. Agora que Lula foi lançado como pré-candidato à presidência com amplo apoio popular e permanecendo na liderança das pesquisas de intenção de voto, os inimigos do povo partem para ameaça de prisão, que representa mais uma aberração do judiciário. A batalha será dura, mas encontrará muita resistência nas ruas.
O ano começou fervendo entre férias e carnaval, talvez contando que isso desmobilizasse a força popular. Mas o povo reagiu, pois sente na pele que a vida só tem piorado desde o golpe de Estado. Pelo visto, o combate deve continuar no carnaval. Se em 2017 os blocos foram tomados pelo grito “Fora Temer”, o carnaval de 2018 será tomado por “Eleição sem Lula é fraude”.
* Jessy Dayane é militante do Levante Popular da Juventude. Sergipana, estuda Direito em São Paulo e milita no Movimento Estudantil. Hoje, conduz a vice-presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Edição: Daniela Stefano