Os blocos e cordões carnavalescos são encarados com viés preconceituoso e historicamente perseguidos implacavelmente pela polícia, que sempre se esforçou para coibir os atos de “baderna”. Mesmo assim, resistiram e, como “massa de pão”, aumentaram após muita pancada. A avaliação foi feita pelo professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do livro A Geografia do Samba na Cidade de São Paulo (Fundação Polisber), Alessandro Dozena.
"Eu creio que a maior presença dos blocos de rua evidencia exatamente a prática de resistência à mercantilice da vida e a tudo o que tende a torná-la desprovida de magia, rotineira, mecanizada e administrada. A partir dos blocos espontâneos, o carnaval de rua impulsiona a criação, o inusitado, o novo; imprescindível na inspiração de novas realidades, de novos cenários frente às dificuldades impostas pelas circunstâncias da vida em cidades como São Paulo", disse em entrevista à repórter Cida de Oliveira, da RBA, no carnaval de 2017, da qual reproduzimos aqui alguns trechos.
Dozena destacou que os cordões e blocos carnavalescos foram historicamente encarados com um viés preconceituoso e perseguidos implacavelmente pela polícia, que se esforçava para coibir os atos de “baderna”. Mesmo assim, eles resistiram e como “massa de pão” aumentaram após muita pancada.
Segundo ele, as atividades promovidas pelos blocos ampliam o bem-estar em áreas carentes em infraestruturas culturais e de lazer. Essas manifestações sempre foram fundamentais para extravasar as amarguras do dia a dia, através de uma experiência coletiva importante para o estabelecimento dos valores culturais de um grupo social particular. "Antigamente a polícia ia, furava o couro e batia no pessoal. Mesmo assim, não conseguia acabar com as rodas de samba, cordões e blocos carnavalescos, que guardam um caráter espontâneo."
No caso de São Paulo, ele acredita que o carnaval adquiriu uma nova forma de organização, trazendo novas atividades econômicas amparadas pelo trabalho, remunerado ou não, que abrange uma série de processos na preparação das fantasias e montagem dos carros alegóricos. "Isso mobiliza um mercado específico na rua 25 de Março, além de bairros como o Brás e o Pari, com mercado voltado às plumas, aos tecidos e adereços".
Por isso, segundo o professor da UFRN, uma tentativa de enfraquecimento do carnaval, assim como todas as manifestações populares no espaço público, como já foi cogitado diversas vezes pelo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), não seria algo fácil. “Folião carnavalesco é como massa de pão, quanto mais bate mais cresce”.
Segundo explicou, o carnaval de rua começou como uma prática de resistência ou “re-existência” que faz parte do processo singular da formação existencial dos foliões (visto que a resistência se referencia na existência), contribuindo para a produção de territorialidades e outras racionalidades tão diversas quanto metrópoles como São Paulo, que abriga muitas modalidades de existência e resistência à tendência de desagregação da sociabilidade.
"O carnaval de rua é acompanhado do improviso, da resistência às normas e ao que é disciplinador. Temos nele uma lógica da improvisação em que o ambiente urbano é apropriado e a espontaneidade permite um contraponto ao artificialismo da realidade cotidiana. O princípio conformador do carnaval de rua é o da alegria, assegurando a utopia instantânea e fugaz, o convívio alegre, menos hierarquicamente arbitrário, menos tirânico e mais livre."
Conforme explicou, são práticas de resistência ou “re-existência” que acompanham a espontaneidade do carnaval brasileiro, sempre em constante evolução. O carnaval de rua é portanto uma manifestação ritualística em que, em alguns casos, os encontros evocam o passado, acomodando-o às circunstâncias do tempo atual e à rede de relações tecidas pelo enredo cotidiano. Por isso as músicas antigas costumam ser tocadas pelos blocos de rua, ao mesmo tempo em que motivam e celebram articulações com as músicas do presente.
Edição: RBA