A recessão e o desemprego a fizeram cair
“Recessão e desemprego derrubam inflação e devolvem o poder de compra aos brasileiros”. Essa frase, veiculada no Jornal da Globo News, surtiu ironias e piadas na internet em abril de 2017. Seria menos trágica se não fosse tão verdadeira. O problema do enunciado é a ausência de problematização política.
Inflação é um fenômeno econômico que decorre da “Lei da Oferta e da Procura”. Por exemplo, se na feira tem poucas pessoas que oferecem tomate e muitas pessoas que querem comprar, o seu “preço” vai aumentar. Se, por outro lado, de uma hora para outra, a tarifa da energia elétrica subir, isso impactará na inflação pois quase todos os produtores vão repassar esse aumento da conta de luz no preço final das suas mercadorias.
Assim, o preço da cerveja sobe para o consumidor final porque o dono do boteco tem que repassar para alguém o aumento da conta de energia por ter deixado as cervejas gelando no freezer, que é ligado na tomada; logo, gasta luz.
A inflação cresceu bastante no Brasil em 2015. Os economistas liberais e de direita verbalizaram seu receituário para reequilíbrio dos preços: aumentar a taxa básica de juros, causar recessão econômica, aumentar o desemprego e reduzir os salários.
Para não dizer que estou exagerando, o economista liberal Samuel Pessoa escreveu a seguinte frase: “quanto mais rápida for a queda do salário real, mais rapidamente a inflação (...) convergirá para a meta”. Além dessa, outras frases comuns no mesmo período eram “controlar a inflação tende a envolver sacrifícios no curto prazo, como crescimento mais baixo e desemprego mais alto.” Ou então “o desemprego teria que subir até 8,5% em 2015 para trazer a inflação para a meta em 2016” dita por Alexandre Schwartsman, outro economista que está sempre na mídia hegemônica.
Soluções como essa vêm de um diagnóstico equivocado pois avaliam que o problema da inflação teria sido de “demanda”, ou seja, com o salário mínimo crescendo, o desemprego mais baixo, juros menores e crescimento econômico, os trabalhadores passaram a ter mais dinheiro e pressionaram os preços para cima, já que aumentou o poder de compra sem aumentar a produção de mercadorias ao mesmo tempo.
Ocorre que o problema da inflação brasileira em 2015 esteve ligado a “oferta”: liberação abrupta do preço da gasolina e da energia elétrica somada a uma forte desvalorização do real. Isso comprova a razão da inflação continuar subindo em 2015 mesmo com o aumento sistemático da taxa de juros. Ou seja, como justificar que mesmo “encarecendo” o crédito, a demanda por consumo seguiria aumentando?
Agora vamos tentar entender o momento atual. Em 2017 a inflação brasileira fechou em 2,95% (IPCA). O governo golpista de Michel Temer, a sua equipe econômica e, possivelmente, alguém no seu whatsapp devem ter comemorado!
Acontece que a inflação caiu e está abaixo do centro da meta de inflação exatamente por que a recessão e o desemprego a derrubaram! Isso quer dizer que a inflação está baixa a custo de um problema muito maior do que uma inflação de 10%, como foi em 2015. Naquela ocasião, a elite disse que o fantasma da inflação estava de volta e que a Dilma tinha quebrado o país!
A inflação está baixa porque o Brasil teve um recorde na safra agrícola e pode oferecer mais quantidades de alimentos no mercado - ou seja, a responsável foi a chuva e não o Temer.
Mas a inflação caiu, principalmente, porque os trabalhadores pararam de gastar! E eles pararam de gastar porque a renda média vem caindo sistematicamente, o salário mínimo foi reajustado abaixo da inflação e o desemprego está alto!
Se a pessoa recebe menos ou não recebe nada, ela gasta menos ou não gasta. Se ela não gasta, a indústria fica com seus produtos encalhados, demite trabalhadores, que deixam de gastar porque estão sem emprego. Essa é a lógica na qual a queda do crescimento econômico e o desemprego derrubaram a inflação.
De fato a inflação baixa aumenta o poder de compra porque a moeda não perde tanto valor, mas esse aumento no poder de compra não compensa os efeitos danosos das causa da queda da inflação.
O Brasil tem um “trauma” inflacionário. Mas isso não pode nos cegar para encarar que o remédio para controlar a inflação foi fazer o paciente contrair uma doença bem pior!
Juliane Furno é doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp, formadora da CUT e militante do Levante Popular da Juventude.
Edição: Daniela Stefano