O governador Simão Jatene, do PSDB, criou um grupo de trabalho para elaborar um Plano Estadual de Consultas Prévias, Livres e Informadas aos povos indígenas e comunidades tradicionais, mas sem antes consultá-los sobre a criação do GT. A medida, criada por meio de decreto, viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Além disso, há uma desconfiança que o governo esteja tentando uma manobra para liberar obras bloqueadas judicialmente.
Os Ministérios Públicos Estadual do Pará e Federal, a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado (DPUE) pediram a revogação da medida.
De acordo com o defensor público, Jhony Giffoni, a OIT garante aos povos indígenas e comunidades tradicionais o direito de serem consultados de forma livre, prévia e informada toda vez que houver “uma medida legislativa ou administrativa e antes do desenvolvimento da criação da lei, da implementação de um projeto de desenvolvimento ou de um projeto de infraestrutura”, disse o defensor.
“Então esse decreto fere a convenção 169 nesse sentido, segundo a OIT, em diversas interpretações a jurisprudência da corte interamericana corrobora com esse entendimento que eu falei, ou seja, ao instaurarem esse decreto, o governo do Estado do Pará também violou a jurisprudência da corte interamericana e também violou o que estabelece a OIT”,. e completa Giffoni.
Na segunda-feira (19), promotores de Justiça, procuradores da República, defensores públicos e mais 18 autoridades assinaram uma recomendação, clique aqui, que aponta irregularidades na medida e solicitaram a revogação imediata do Decreto 1.969, publicada em Diário Oficial do Estado (DOE) no dia 24 de janeiro.
Em nota, o governo do Pará afirmou que a Procuradoria-Geral do Estado do Pará (PGE) analisará os termos da recomendação.
Vanusa Cardoso, presidenta da Associação de Moradores e Produtores de Abacatal e Aurá (Ampqua), comunidade quilombola, vê com desconfiança decreto do governador do Pará.
“Ele [governo] não buscou em nenhum momento ouvir ninguém, foi criado [decreto] por secretarias do governo de acordo com aquilo que eles querem colocar nessas consultas, então eu vejo como mais uma violação de direitos das comunidades se expressarem”, disse Vanusa.
Abacatal sofre com os impactos da expansão urbana em seu território e vem sendo pressionada pela construção da rodovia Liberdade, empreendimento de infraestrutura considerada a maior ameaça à soberania da comunidade.
A Associação Indígena Pariri, representante de onze aldeias Munduruku do Médio Tapajós, publicou nota e expressou repúdio a criação do Grupo de Estudos, leia aqui a nota.
Violações
Para a pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Rosa Acevedo Marin, o governo não ouviu a universidade, antropólogos e o grupo de ciências jurídicas e sustenta que as consultas prévias, livres e informadas deveriam ser realizadas por um agente que não apresente interesses econômicos.
“Acompanhamos um processo muito visível de desrespeito dos direitos humanos, nós vemos isto em relação a grupos de agricultores, massacre de Pau D’Arco , que ocorreu no ano passado, nós vemos as situações de despejos, então nesse ponto de vista é importante que não apenas o estado oficialize uma comissão, oficialize um decreto, este é um direito, está entendido nesse plano que o estado do Pará é um estado em que os direitos humanos estão sendo desrespeitados sistematicamente” , disse Rosa Acevedo.
A criação do GT também pode ser uma forma de destravar alguns empreendimentos que se encontram paralisados como a Ferrovia Paraense, projeto que enfrenta forte resistência por parte da sociedade civil e comunidades tradicionais. Para o defensor público Giffoni não se pode afirmar, mas a suspeita não é descartável.
“Não posso te afirmar porque o decreto é uma legislação genérica, mas a composição dele, pela Sedeme (Secretaria do Estado e Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia), que é o proponente da ferrovia paraense, nos leva a supor que a ferrovia é um dos motivos para essa situação, o que também nos faz corroborar com esse pensamento é a ação judicial movida pela Defensoria Pública que versa sobre essa temática”, argumenta o defensor público Jhony Giffoni.
A medida cautelar movida pela Defensoria Pública do Estado solicita a suspensão do licenciamento e a licitação da ferrovia enquanto não for realizada a consulta das comunidades que poderão ser impactadas pelo empreendimento nos 23 municípios por onde irá a passar a estrada de ferro.
Edição: Juca Guimarães