A intervenção militar no Rio de Janeiro tem esquentado o debate sobre as causas dos índices de violência no estado. A grave crise financeira enfrentada há dois anos pelo estado fluminense, é uma das principais causas da violência, de acordo com especialistas entrevistados pelo Brasil de Fato.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública, as taxas de diferentes crimes vinham sofrendo uma diminuição entre os anos de 2007 e 2010, e voltaram a aumentar desde então, sofrendo um recrudescimento considerável a partir de 2015.
Os dados, referentes ao número de roubos de rua, roubos de veículos, mortes por policiais e mortes violentas no geral, expõem a correlação entre esses crimes e a recessão econômica no Rio de Janeiro. O número de mortes violentas, por exemplo, saltou de 5.010, para 6.731 em 2017. Já os roubos de celulares cresceram de 85 mil para 125 mil no mesmo intervalo de tempo.
Para Luiz Martins de Melo, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a mídia hegemônica utilizou principalmente dados de crimes contra o patrimônio, como os roubos, para criar uma sensação de insegurança generalizada que justificasse a intervenção federal no Rio de Janeiro. Ele opina que outras medidas, principalmente econômicas, deveriam ter sido tomadas pelo governo.
"Basta ver o que a Rede Globo publicou como justificativa: arrastão e crimes contra turistas, principalmente. Não tem solução mágica para a violência nas grandes cidades. Isso vai demorar um tempo, tem que ser um trabalho de inteligência, investimento na área social, no transporte público, na moradia, e não penalizar os mais pobres. Por que só a favela é penalizada, cercada?", questionou.
Já Daniel Cerqueira, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a falta de oportunidades causada pelo aumento do desemprego e cortes no orçamento das políticas públicas é uma das principais questões por trás da relação entre a violência e a crise.
"A questão da falência econômica do Rio de Janeiro afeta por dois fatores diferentes o aumento dos crimes: por um lado, quanto mais desemprego mais tensões sociais, e maiores incentivos a entrar no crime. Aquele jovem que está na fronteira tentando arrumar um emprego muitas vezes, ao não encontrar oportunidade de trabalho, acaba sendo aliciado", afirmou.
Apesar da falta de investimento em políticas públicas, justificada pela crise, mais de R$ 600 milhões de reais foram gastos na ocupação militar das favelas da Maré durante 2015. Segundo dados da Prefeitura do Rio de Janeiro esse valor representa quase o dobro do orçamento destinado para programas sociais entre os anos de 2009 e 2015. Para completar, dessa quantia investida em programas sociais, apenas R$ 69,98 milhões realmente haviam saído do papel até julho de 2015.
Melo considera que a população jovem é a principal afetada pela falta de investimento. "No Rio de Janeiro, há os famosos "nem nem", nem escola, nem trabalho, que são principalmente os jovens de 18 a 24 anos, estão na faixa de 25% da população sem fazer nada. Na baixada fluminense isso chega a 40%. Não tem nada feito para a incorporação dessas pessoas ao mercado de trabalho", opinou.
De acordo com Lenin dos Santos Pires, professor do Departamento de Segurança Pública e diretor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (UFF), tanto o aumento da violência quanto a crise econômica no Rio de Janeiro foram influenciados pelos gastos com os Jogos Olímpicos de 2016.
"Nos últimos dez anos, o Rio de Janeiro foi objeto de uma grande invasão de recursos para promoção do que ficou prometido como cidade olímpica, cidade espetáculo. Diante do momento em que não houve mais ingestão de dinheiro para estratégias na cidade, você ficou apenas com a política da repressão", afirmou.
Pires explica ainda que a relação do desemprego com o aumento dos crimes não pode ser automática, pois tem que ser feita por meio de análises que considerem as mudanças na circulação de bens e mercadorias nas zonas mais pobres da cidade.
"Não houve investimentos sociais nessas áreas, de forma que a população não pôde se qualificar, ou mesmo criar oportunidades de empreendimentos locais, permitindo uma circulação autônoma de recursos. O dinheiro diminui, e os grupos criminosos começam a buscar estratégias em outras atividades que não estritamente o tráfico de drogas", ponderou.
O decreto da Intervenção Federal foi assinado pelo presidente golpista Michel Temer (MDB) na última sexta-feira (16). Nesta semana, a intervenção foi aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. A medida irá vigorar até o dia 31 de dezembro deste ano.
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Edição: Mauro Ramos