A mais nova polêmica que repercute entre políticos e jornalistas que atuam na capital do país envolve a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e está relacionada diretamente ao Fórum Mundial da Água e à produção de reportagens com objetivo específico de reproduzir conteúdo favorável ao Executivo. O imbróglio foi denunciado por repórteres que se recusam a fazer tais matérias ou, no caso de terem que fazer, colocar crédito na autoria do material.
Tudo teve início quando a EBC assinou contrato com a Agência Nacional das Águas (ANA), para divulgação e cobertura do Fórum. A ANA é uma das patrocinadoras do evento e o contrato assinado é da ordem de R$ 1,8 milhão. Segundo informações de um ex-executivo da empresa, a diretora-geral, jornalista Cristiane Samarco, foi designada pela presidência da EBC para ser a responsável pelo contrato, que não teria qualquer ilicitude.
Mas o documento exige que o conteúdo para promoção do Fórum, que vem sendo feito desde 31 de janeiro e vai até 30 de abril, antes de ser publicado por todos os veículos da EBC, passe pelo crivo da Agência Nacional de Águas, autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.
O argumento dos servidores da EBC está ligado diretamente à legislação sobre a empresa, – que tem sido criticada por ter passado por várias mudanças no seu formato inicial desde o início do governo Temer. Uma vez que, conforme vinha sendo observado até agora, a publicação de material autorizado pelo governo deveria ser feita apenas pela TV NBR e pelo programa Voz do Brasil, não pelos demais programas e serviços da empresa como a Agência Brasil e a TV Brasil, que tem caráter público, e não estatal.
Até 2016, a EBC vinha atuando em uma linha de independência na comunicação pública e o presidente na época, Ricardo Melo, eleito por um conselho para mandato de quatro anos, foi destituído para entrada de nova equipe indicada pelo Palácio do Planalto.
No caso mais recente, o contrato firmado com a ANA teve dispensa de licitação. Foi assinado em 15 de dezembro passado e o total do montante é R$ 1.799.750,93.
A polêmica reside no fato de a legislação da EBC, de 2008, ter sido modificada no ano passado na parte que exigia "autonomia da empresa" em relação ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão.
A assessoria de imprensa da empresa divulgou no início de fevereiro uma nota afirmando que seu jornalismo não estaria submetido à ANA nem ao Fórum e negou que as pautas sejam definidas pela Agência de Águas, embora tenham de ser aprovadas pelo órgão. A EBC também argumentou que o tema a ser debatido no evento é de interesse "tanto da NBR do governo federal, como das oito emissoras públicas de rádio da empresa".
Ambiente de tensão
"Estimular o debate e produzir informações sobre o bom e o mau uso da água, o reuso, o compartilhamento da água, a crise hídrica, o saneamento básico são tarefas das quais uma empresa pública de comunicação não pode se omitir. Estes temas são de interesse tanto da TV NBR (do governo federal), como das oito emissoras públicas de rádio, da Agência Brasil, TV Brasil e Voz do Brasil", diz a nota.
Entre os repórteres dos programas da emissora e junto a parlamentares que instalaram na última semana uma subcomissão para acompanhar todos os trabalhos do Fórum, entretanto, o ambiente é de preocupação. Os repórteres, em sua maior parte, evitam divulgar posições em público para não sofrerem retaliações, mas estão sendo orientados pelos sindicatos de cada estado onde atuam sobre a forma de conduzir a questão. Mas estão determinados a protestar contra o contrato.
A posição deles foi confirmada por meio de nota veiculada numa rede social por um dos diretores da EBC, Alberto Coura (apagada minutos depois, mas publicada pelo site Poder 360), na qual ele admite a posição dos repórteres da empresa e pede orientações a outros editores sobre como agir diante da questão.
Já entre os integrantes do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) o assunto suscita um debate sobre a situação da empresa como um todo, o que deve ser tratado na próxima reunião do colegiado.
Senadores da oposição que vão participar do Fórum Mundial da Água também reclamaram da possibilidade de suas declarações e dos painéis de que pretendem fazer parte tenham divulgação vetada na EBC. Muitos deles pretendem fazer, no evento, críticas pontuais à política de recursos hídricos em vigor atualmente e à falta de recursos para obras voltadas para o compartilhamento e gestão da água no Orçamento da União.
“O compartilhamento da água é um assunto muito sério, sobretudo para nós que temos passado por crises de escassez em vários estados. Queremos discutir todas as alternativas, apresentar sugestões e tratar com todos os países envolvidos no evento, sobretudo, a questão do orçamento limitado dos governos para recursos hídricos”, disse, na última semana, o senador Jorge Viana (PT-AC).
Viana não foi encontrado para falar diretamente sobre a questão da EBC, mas será coordenador da comissão de parlamentares brasileiros no evento. Ele pretende fazer críticas sobre a falta de prioridade do governo brasileiro e falar sobre a Proposta de Emenda à Constituição que assegure o acesso à água para todos os brasileiros.
Evento mundial
O Fórum Mundial acontecerá a partir do dia 18 de março em Brasília (vai até o dia 23) e será realizado pela primeira vez num país do Hemisfério Sul. O evento é organizado pelo Conselho Mundial da Água (WWC, sigla em inglês para World Water Council) e tem sido realizado em países diversos desde 1996.
Esta será a 8ª edição do Fórum e estão sendo esperadas cerca de 400 instituições relacionadas à temática de recursos hídricos, de aproximadamente 70 países. Devem participar cerca de 6.700 representantes políticos de mais de 150 países e a realização de 250 sessões, com participação da sociedade civil, empresas públicas e privadas, universidades e organizações não governamentais de todo o mundo.
O Fórum já foi realizado nas cidades de Daegu, Coreia do Sul (2015); Marselha, França (2012); Istambul, Turquia (2009); Cidade do México, México (2006); Kyoto, Japão (2003); Haia, Holanda (2000); e Marrakesh, no Marrocos (1997).
Edição: Redação