O Hospital Sofia Feldman, maior maternidade do Brasil, localizado em Belo Horizonte – e referência mundial em atendimento humanizado – vive uma crise financeira desde 2015. No início deste mês, leitos foram fechados e trabalhadores iniciaram uma greve por pagamento de salários, atrasados desde dezembro.
Os funcionários de nível superior receberam apenas 70% do pagamento de dezembro e o de janeiro ainda não foi pago. Os profissionais de nível médio receberam somente 60% do salário de janeiro. Nenhum trabalhador, até o momento, recebeu o 13°. O principal problema alegado pela gestão do hospital é que os recursos recebidos pelo Sofia são insuficientes para cobrir as despesas.
Atualmente, existe um déficit mensal de R$ 1,5 milhão no hospital. Por mês, o Sofia recebe cerca de R$ 5 milhões, mas gasta R$ 6,5 milhões, problema chamado subfinanciamento. “A situação está muito difícil, porque a receita está congelada e a despesa está certa, tem reajuste de salário e aumento dos insumos. Não tem um equilíbrio nas contas”, comenta Ramon de Almeida Duarte, diretor financeiro do Hospital. Dados do Conselho Estadual de Saúde apontam que a receita é totalmente proveniente de recursos públicos, dos governos estadual e federal.
Como forma de solucionar o problema, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) se ofereceu para assumir a gestão, o que tem sido criticado por profissionais da saúde pública. De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde, a proposta é que seja indicado um diretor para analisar os gastos e reorganizar o orçamento.
No entanto, a PBH ainda não formalizou a proposta, nem para o hospital e nem para a população. Isso seria feito em reunião, nesta terça (27), junto ao Conselho Curador do Sofia, mas foi cancelada devido à ausência de representantes da PBH. “Seja qual for a proposta, ela vai ter que passar nos Conselhos Municipal e Estadual de Saúde. A gestão do SUS prevê a participação popular e os conselhos são os espaços para isso”, afirma o presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Belo Horizonte, Bruno Pedralva.
Para a médica do Sistema Único de Saúde (SUS) Sônia Lansky, essa intenção de intervenção da PBH é “autoritária, sem debate e sem a participação da sociedade”. Além disso, a médica afirma que não existe um problema de gestão, mas de falta de recurso. “A gestão do Sofia é única, porque está fazendo milagre com esse recurso. São mil partos por mês, 60 leitos de unidades neonatal e tudo com uma assistência humanizada aos trabalhadores, às mulheres e às crianças. Além disso, a maternidade faz prestação de serviços inovadores, com iniciativas que foram incorporadas a políticas públicas”, afirma.
Em nota redigida após uma plenária de mulheres, que aconteceu na terça (20), o CMS aponta que o Sofia “faz três vezes mais com três vezes menos recursos”, quando comparado com a segunda maior maternidade da capital, onde cada parto sai a quase R$ 19 mil. No Sofia, o parto custa R$ 5 mil, conforme informações do Conselho.
Ameaça ao método
André Lanza, residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Sofia Feldman, discute que a intervenção da PBH na gestão do hospital pode ser uma ameaça ao método de humanização do parto.
“O grande receio do corpo clínico do hospital, da comunidade que é assistida e dos grupos de mulheres é que isso seja um pretexto para mudar a filosofia do hospital, com perdas de direitos tanto para as mulheres quanto direitos trabalhistas”, afirma o profissional, que também faz parte da Rede de Médicos e Médicas Populares.
O atendimento no Sofia é diferenciado porque garante a dignidade das mulheres gestantes e possui enfermeiras obstétricas com autonomia na condução de trabalhos de partos de baixo risco. Para André, o modelo humanizado do parto resiste ao Conselho Regional de Medicina (CRM), às corporações médicas e à indústria farmacêutica. “O Secretário de Saúde é médico e sempre foi ligado ao CRM. Ele possui muitas críticas ao modelo do Sofia”, afirma.
Edição: Joana Tavares