A sociedade brasileira precisa ver o que acontece na Pedreira Prado Lopes, em Belo Horizonte, Minas Gerais. A primeira e mais próxima favela do hipercentro de BH. Precisa conhecer nosso olhar, de mulheres pretas, mães da periferia, que vivemos todo dia a falta do sossego e acordamos com nossos filhos mortos na porta de nossas casas. Nesta semana perdemos um menino de 14 anos. Que ameaça um menino desarmado é para um policial que na madrugada lhe mete três balas?
Não deixamos mais nossos filhos comprar balas ou doces na esquina, pois podem não voltar. Estamos nos acorrentando e a nossas famílias dentro dos barracos. Nossos filhos frutos do tráfico estão sendo mortos pela polícia corrupta, usuária de droga, despreparada e covarde. Querem a nossa força de trabalho de manhã, de tarde e de noite enquanto nossas famílias estão destruídas e privadas de sua liberdade dentro de suas comunidades.
Falar do 8 de março sem olhar pra essa mulher é como acorrenta-la a uma senzala invisível
Em média, perdemos de 6 a 10 jovens por mês na Pedreira. Culpabilizamos os jovens do tráfico que tem a faixa etária de 6 a 14 anos, mas as balas que tem tirado a vida dos menores vem da polícia, as armas que estão dentro da favela Pedreira de cima e Pedreira de baixo são colocadas lá dentro pela polícia. As pedras que construíram Belo Horizonte vieram da Pedreira. A primeira caixa d’água da cidade foi construída lá também. Assim como a primeira escola de samba. Mas hoje está abandonada pelo poder público, à mercê da polícia covarde.
Nossas favelas estão desassistidas e sendo usadas como testa de ferro para presidentes, deputados e governadores se elegerem. Quando chega alguma instituição do Estado voltada para a segurança da comunidade, querem de nós denúncia, que pode gerar retaliação ou exclusão da família que denuncia ou contribui como X9. Quem carrega toda essa realidade nas costas são as mulheres da Pedreira. Mas quem ampara essas mães que não dormem? Uma delas perdeu seu filho de 14 anos com três balas da polícia. O corpo do menor estirado na calçada ao lado de uma embalagem de biscoito Aymoré é o retrato da realidade de milhares de mães.
Falar do 8 de março sem olhar pra essa mulher, que carrega essa relação com a vida, com o país, e com a sociedade, é como acorrenta-la em uma senzala invisível. Essa mulher está lutando pelo direito de ser mulher, de ter assistência social, médica e de ser tratada na sua saúde com humanidade. E não ser dopada ou ser tratada como um depósito de medicamentos destrutivos dados pelo posto de saúde. A violência doméstica, o estupro, a depressão, a prostituição das filhas, o aborto clandestino, a AIDS, o câncer de mama e útero, vem de sua negação como mulher e falta de identidade.
E que tenho eu pra dizer pra essas mães? Resistam pela sua filha, pelos seus outros filhos. Resistam mulheres negras periféricas! Queremos melhores salários, empregos, nossos direitos de ir e vir, queremos criar nossos filhos e vê-los crescer pra darem sua contribuição com braços fortes para o país. Queremos cultivar nossos ancestrais e nossas identidades. Queremos nossa dignidade e o direito de sermos mulheres.
Mulher eu sou / Respiro o que eu sou / Tenho o infinito dentro de mim / Não tenho início, não tenho fim / Eu sou assim
Assinado: Eu, mulher preta da Pedreira
Edição: 223