Por Júlia Rohden, de Curitiba (PR)
Silvana Aparecida Loch acorda todos os dias às 7h, deixa o café preparado para o filho de seis anos e sai para trabalhar. Ela é professora de língua portuguesa em Campo Mourão, a 450 quilômetros da capital paranaense, e também integra o núcleo municipal do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP).
Depois de passar a manhã no sindicato e a tarde na escola Darcy José Costa com alunos de turmas do sexto ao nono ano, Silvana chega em casa e se dedica às tarefas domésticas. Lava roupas, organiza a casa e prepara o jantar. A noite, precisa ainda preparar aulas ou corrigir provas. “Aí eu vou dormir, porque não sobra mais pique”, diz.
A professora conta que a redução da hora-atividade, decisão do governo Beto Richa (PSDB) em 2017 que diminuiu duas horas semanais do tempo remunerado para preparação de aulas, gerou acúmulo de tarefas escolares e domésticas (que ainda são atribuídas às mulheres e não aos homens). “Tenho que levar mais trabalho para casa do que já levava antes. E eu tenho as atividades domésticas, tenho filho e sou mãe solo”, relata.
A secretária da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBT da APP, Lirani Franco, ressalta que a medida significou duas horas a mais por semana dentro de sala de aula e menos tempo para prepará-las. “As mulheres são as que sofrem mais, porque elas passam a ter mais turmas e têm mais trabalho para levar para casa. E é importante lembrar que são as mulheres que fazem o serviço doméstico, então ficam ainda mais sobrecarregadas”, opina.
Mulheres representam 84,4% do total de professores estaduais
Silvana Loch é uma das 120 mil mulheres que trabalham como professoras em escolas estaduais do Paraná. Ela relaciona os baixos salários ao fato da maioria da categoria, 84,4%, ser mulher. “Historicamente educar e cuidar é uma tarefa que foi atribuída às mulheres. Os homens que entram na profissão ganham igual a nós, mas o salário é baixo porque é um trabalho classificado como feminino” comenta.
Ana Lorena Bruel, do Núcleo de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que durante a década de 1970 o número de escolas aumentou e condições de trabalho pioraram. “Houve a entrada da mulher na profissão docente, mas ela foi recebida em condições mais precárias que os homens e isso se mantém até hoje” analisa.
No Paraná, além da redução da hora-atividade, a Secretaria de Estado da Educação (Seed) adotou uma política que prejudica os docentes que foram afastados por cursos ou licenças médicas. Esses professores não conseguiram pegar aulas extraordinárias em 2018, aquelas aulas que vão além das 20 horas semanais obrigatórias e que ajudam a complementar a renda. “São políticas de ataque à educação e estão atingindo diretamente as mulheres, que são maioria na categoria”, afirma Lirani Franco.
Trabalhadoras da educação tem baixos salários
As professoras temporárias, contratadas via processo seletivo simplificado (PSS), também vivem uma situação complicada na opinião das entrevistadas. Isso porque em 2018 o governo Beto Richa diminuiu os salários em até 13,3% – o que significa quase R$ 378 a menos em relação ao ano anterior para professores PSS com nível superior que trabalhem 40 horas por semana. A estimativa é que em 2018 sejam mais de 20 mil educadores contratados via PSS para dar aulas nas escolas estaduais.
Ana Bruel avalia que a contratação por PSS está sendo abusiva e em condições piores do que em décadas anteriores. “Hoje esses contratos são realizados durante os meses letivos, então, os professores são contratados em fevereiro e os contratos são rescindidos em dezembro. ficam sem salário no mês de janeiro, não sabem se serão re-contratados no ano seguinte ou se continuarão na mesma escola. Essa política de contratação desmedida de professores temporários impacta diretamente na qualidade da educação”, afirma.
As merendeiras, porteiras e funcionárias da limpeza (chamadas Agentes Educacionais I e majoritariamente mulheres) também recebem baixos salários. “Não há reposição dos concursados e por isso tem contratação temporária ou terceirizada, em condições extremamente precárias”, avalia Bruel, integrante do Núcleo de Políticas Educacionais da UFPR. A sindicalista Lirani Franco ressalta que as Agentes Educacionais I não recebem o piso regional (que varia entre 1.223,30 a R$ 1.414,60), mas o salário mínimo (R$ 954). “Pela lei elas deveriam receber o piso regional, que é uma equiparação salarial, mas o governador está pagando abaixo e isso já aconteceu também em 2016 e 2017”, informa.
Fechamento de escolas e turnos
Quando se formou em letras, Silvana Loch passou os primeiros anos atuando como professora em escolas do campo. Ela deu aulas em escolas localizadas em comunidades Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e também em outras escolas em áreas rurais. A última em que Silvana trabalhou, em Campo Mourão, foi fechada.
A professora afirma que as escolas do campo são as principais prejudicadas. “O argumento [do governo] é que não compensa manter escola rural pelo número de alunos. Avaliam que é melhor colocar ônibus e levar os alunos para a cidade, mas não levam em consideração que tem alunos que moram muito longe, são muito novos e precisam pegar o ônibus de madrugada, quando ainda está escuro”, critica.
Para a pesquisadora Ana Bruel o governo não deveria considerar apenas a relação de custo. “É dever do Estado garantir o direito dessa população à educação”, avalia. Ela lembra que além das escolas rurais, há também o fechamento de turnos noturnos, frequentados especialmente por pessoas que precisam conciliar estudos e trabalho.
Edição: Ednubia Ghisi | Fotos: Júlia Rohden