Uma nova – e provavelmente mais jovem – geração governará Cuba nos próximos cinco anos. Neste domingo (11), o país realizará eleições para a Assembleia Nacional do Poder Popular (Congresso) e para as Assembleias Provinciais (o equivalente às Assembleias Legislativas estaduais brasileiras). Depois disso, em abril, essa nova Assembleia Nacional vai eleger um novo presidente.
Para o sociólogo e escritor cubano Juan Valdés Paz, o impacto político desse processo eleitoral não se deve apenas porque a Presidência do país não será mais ocupada por um Castro – pela primeira vez em 60 anos –, mas sobretudo porque se trata de uma renovação política nas mais importantes instâncias do poder. “É o fim da geração histórica”, destaca.
Segundo Valdés Paz, que também é professor da Universidade de Havana e ganhador do Prêmio Nacional de Ciências Sociais e Humanísticas de 2014, estas eleições serão marcadas pelo fim da participação de uma geração de políticos e heróis cubanos, que contribuíram de maneira decisiva para o triunfo e a manutenção da Revolução Cubana, desde 1959.
Esse novo cenário está sendo visto com otimismo, segundo a deputada Irma Shelton Tasé, que é também jornalista da TV pública cubana. “Estamos olhando com otimismo esse processo eleitoral. Confiamos que nossos dirigentes serão fiéis às expectativas e também que vão preservar o legado dessa geração histórica que se despede. E vão agregar novas qualidades à revolução”, afirmou a deputada, que está encerrando seu mandato.
Na sociedade existe uma expectativa grande em relação a essa nova geração. “Vou votar por um jovem trabalhador, delegado do meu distrito. Ele tem 25 anos e representa a juventude cubana”, diz o taxista Rolando Diaz, de 32 anos.
O atual presidente Raúl Castro já havia anunciado publicamente, em dezembro de 2017, que não concorreria às eleições para chefe de Estado. Além disso, essa será a primeira eleição nacional, sem a presença física de Fidel Castro, falecido em 2016.
Renovação
Hoje os integrantes do Comitê Central do Partido Comunista Cubano (PCC) e da Assembleia Nacional têm em média 73 anos de idade, de acordo com Valdés Paz. “Nessa eleição poderá haver a retirada da direção histórica do Estado e do governo, mas ainda não sabemos em que proporção”, aponta o sociólogo.
Isso significaria a chegada uma nova geração nas mais altas instâncias estatais. Isso já vem acontecendo em outros poderes do país, como nas Assembleias Municipais e delegados de núcleos de base. Existe uma geração com menos de 55 anos dominando todas as instâncias dos cargos diretivos em todo o país.
A deputada Irma Shelton ressalta que os jovens da Revolução Cubana não estão chegando ao poder por acaso. Eles foram preparados para isso. “A média de candidatos para a Assembleia Nacional é de 49 anos. Sem dúvida, haverá uma injeção de jovens bem grande. Uma boa parte desses jovens que estão chegando estão entre 18 e 34 anos. Isso nos orgulha muito, porque mostra como a juventude política se preparou para este momento”, relata Shelton.
Ainda de acordo com Valdés Paz, é falsa a impressão de que Estado cubano é dirigido apenas pela geração que lutou contra a ditadura de Fulgêncio Batista, que antecedeu a Revolução. “O fato de a direção histórica ainda ter uma presença alta em dois órgãos supremos do sistema politico – no comitê central do PCC e no Conselho de Estado (em média 75 anos) – ofusca o fato de que, salvo esses dois órgãos, em todas as demais instâncias do poder político do país a idade média dos integrantes é de 55 anos”.
Desafios
Não são poucos os desafios pós-eleitorais que Cuba enfrentará. Para a jornalista e deputada cubana, espera-se que essa geração que chega à política agora ajude a encontrar novas soluções para problemas que perseguem Cuba há anos.
“A Revolução Cubana tem o desafio de seguir em frente sem saber quando será suspenso o bloqueio imposto pelos Estados Unidos. Também existem muitos conflitos internacionais que influenciam na vida política em Cuba”, ressalta Shelton.
O bloqueio imposto pelos Estados Unidos ainda impacta no dia a dia dos cubanos, provoca escassez, explica a deputada. “Apesar de agora termos relações diplomáticas com nossos vizinhos do Norte, eles ainda continuam dificultando nossa vida. Ainda que haja uma abertura e o desejo, de nossa parte, por normalizar as relações com os EUA, eles seguem impondo o bloqueio. A Ley Helms-Burton, que recrudeceu o bloqueio, ainda existe e no próximo dia 12 de março cumprirá 22 anos”.
Depois que assumiu o governo dos Estados Unidos, Donald Trump manteve as relações diplomáticas com Cuba, que foram restabelecidas com o governo de Barack Obama. Entretanto, os funcionários da embaixada estadunidense foram reduzidos ao mínimo necessário para mantê⁻la em funcionamento.
O novo presidente cubano, que será eleito e assumirá em abril, também terá a difícil tarefa de suceder os heróis da Revolução Cubana. “Será um desafio para a pessoa que assumir o novo mandato. Raúl não é nosso presidente porque é irmão de Fidel. Raúl é nosso presidente porque nos conquistou, era o segundo líder, depois de Fidel. Ele esteve em todas as batalhas na luta ao lado de Fidel”, explica Irma.
O mais cotado para assumir a Presidência do país é o atual vice-presidente cubano, Miguel Díaz-Canel Bermúdez. Ele é o primeiro dirigente cubano, nascido depois do triunfo da Revolução, a alcançar esse cargo político.
”Está explicitado que o atual vice-presidente, Díaz-Canel poderia ser o novo presidente, mas não saberemos até a eleição da Assembleia. Se a vontade é a renovação, então Díaz-Canel tem alta probabilidade em ser o novo chefe de Estado”, explica Juan Valdés Díaz.
A parlamentar Irma Shelton concorda que se trata de um nome forte para assumir o liderança do Estado. “Díaz-Canel é um dirigente político, que vem da filas da Federação Estudantil Universitária (FEU) e da Juventude Comunista de Cuba. Ele vem de província de Villa Clara, região central do país. Um dirigente que se destacou por sua inteligência e por sua relação com as massas, porque sabia dirigir”, explica.
Futuro de Raúl
O presidente Raúl Castro sai do Conselho do Estado, mas não vai se retirar da política. Ainda que ele deixe de ser o presidente do Conselho de Estado e o chefe do governo do país, em abril, Raúl continua na direção do PCC. No ano passado, durante o congresso partidário, ele foi o primeiro-secretário do Partido Comunista Cubano para o mandato que termina em 2021.
O Partido Comunista tem um papel central na política Cuba, pois media todas as instâncias do poder estatal. “Na política cubana, Raúl exercerá o papel equivalente a um árbitro no futebol. Sobretudo em um sistema político que prioriza a unidade nacional, o papel do árbitro é dos mais importantes. É como no futebol, quando o árbitro decide, os jogadores devem respeitar”, compara o sociólogo Valdés Paz.
Raúl Castro governa o país desde 31 de julho de 2006, quando Fidel Castro, então com 80 anos, se retirou da presidência do Conselho de Estado. Raúl, agora com 85 anos, também dá espaço para uma geração que foi preparada para isso, com a promessa de superar os desafios que Cuba tem pela frente. O primeiro deles é conquistar sua autonomia econômica.
* Acompanhe a cobertura especial do Brasil de Fato sobre as eleições cubanas. Nas próximas reportagens, vamos trazer mais aspectos sobre os novos desafios que o país enfrenta.
Edição: Beatriz Pasqualino