Evellyn Silva: mulher trans, trabalhadora e independente

O trabalho permeia toda a narrativa da vida de Evellyn, 29 anos, moradora da cidade de Abreu e Lima, em Pernambuco

Por Rani de Mendonça, de Recife (PE)

“Quando eu era criança sonhava muito em ser modelo, depois fui trabalhar no comércio e agora estou em uma empresa de telemarketing. Nessa última empresa eu tive uma experiência como treinadora e gostei muito da área de recrutamento de pessoas”. O tema trabalho permeia toda a narrativa da vida de Evellyn Silva, 29 anos, moradora da cidade de Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife.

Trabalhadora e mulher transsexual, Evellyn confirma um dos maiores entraves na vida de uma mulher: a busca pela independência financeira. No caso de Evellyn, esse embate aconteceu muito cedo, quando seu irmão – único que tinha renda em sua casa- percebendo os trejeitos femininos, apelou para a dominação financeira para que Evellyn ‘virasse homem’.

“Ele vivia dizendo para minha mãe: “se ele não mudar, a senhora vai passar por necessidade”, fazendo pressão para que minha mãe viesse conversar comigo e me pedir mudança. E eu tinha que aceitar, porque eu não trabalhava”, conta. E foi assim por muito tempo, até que chegou o momento em que Evellyn cedeu às pressões e aceitou cortar os cabelos. “Ele me levou para um salão de beleza do bairro. Parecia que era algo muito planejado, porque tinha muitos amigos deles para assistir tudo aquilo. Era como se ele quisesse provar pra todo mundo que conseguia, porque era o homem da casa”, lembra triste daquela cena.

Esse dia foi marcante. A bermuda que ela usava, as frases ditas pelo cabelereiro e o boné usado depois não serão esquecidos. Até o cabelereiro tentou amenizar e cortar somente a parte excessiva e que estava preso, mas o irmão de Evellyn, como tinha o propósito de cortar nos padrões masculinos, não deixou e mandou passar a máquina zero. Com os cabelos raspados, ela passou por um processo de muita tristeza, sem vontade de comer, de sair e quase entrou em depressão. Com os olhos marejados, lembra que quem a ajudou nessa fase foi sua tia, hoje falecida.

“Ela chegou pra mim e disse: você vai levantar a cabeça e vai atrás de trabalho. Você vai mostrar a ele que você não depende dele para nada. Você vai viver do jeito que você quer”, diz. Depois desse momento, ela arrumou um emprego como vendedora de uma loja perto de casa e conseguiu caminhar para ser quem sempre foi. A relação com o irmão depois disso nunca mais foi afetiva, mas conseguem se aturar nas reuniões familiares, já que ele não mora mais com ela. “Hoje em dia ele me respeita, porque eu trabalho, sou uma mulher independente e sustento minha casa e minha mãe”, ressalta.

Longos caminhos percorridos, Evellyn chega na empresa de telemarketing que trabalha há 8 anos como operadora. Lá, ela viveu mais uma vez a história do preconceito, quando resolveu participar de uma seleção para supervisão. Uma pessoa de cargo superior pediu para que ela se inscrevesse com a identidade masculina. “Você tem que ir como menino, não como você é agora. Depois que você passar, vai mudando. Como foi uma pessoa de um cargo superior, achei que fosse um bom conselho e tentei. Mas, tinha certeza que aquilo ia dar errado, não tinha como dar certo, porque não era eu. Até roupa de homem eu não tinha mais, tive que usar emprestada”, conclui.

Ela foi pra seleção vestida e se portando como homem, o que ocasionou muitos estranhamentos dos colegas que a conheciam como mulher. Esse episódio chegou na gerência, que fez com que ela participasse da seleção para treinar os novos empregados. Nessa nova oportunidade ela se encheu de coragem e disputou sendo ela mesma. Foi aprovada, fez um trabalho por um tempo maior do que havia determinado e se descobriu interessada no ramo de recrutamento de pessoas.

Ser mulher para Evellyn vai muito além da relação com os órgãos genitais. Por isso, ela não pensa em fazer a redesignação sexual, que é o procedimento cirúrgico pelo qual as características sexuais de nascença de um indivíduo são mudadas para aquelas socialmente associadas ao gênero que ele se reconhece. “A única que cirurgia que eu penso em fazer é colocar silicone, porque é ruim ficar tomando tanto remédio. Mas, pensar em tirar o órgão eu não quero, porque mexe muito na saúde e muitas vezes o corpo não aceita. Eu gosto de ser uma trans, eu me identifico com trans.”, defende.

Nos documentos, Evellyn ainda carrega o nome Wagner da Silva e conta que já pensou muito sobre a troca, inclusive pra diminuir as possíveis exposições em lugares públicos, mas que a pedido da sua mãe ainda não encaminhou com esse processo. Ela leva a vida em alerta para explicar a todas as pessoas que tem um nome social.

Com uma rotina parecida com das milhares de trabalhadoras brasileiras, Evellyn acorda cedo, pratica exercícios em uma academia de musculação e vai trabalhar. Mas, ela ainda conta com uma outra batalha diária e constante, que é de ser incompreendida pelo que se é. “Por onde eu passo tem muitos olhares, uns de aprovações e outros não. É Como se diz, todo dia a gente mata um leão. Na minha rotina eu consigo conviver bem até com os olhares de reprovação. Acho que sou assim porque tenho meu trabalho e sou independente”, afirma.

Com um relacionamento de mais de 10 anos, nas horas vagas, Evellyn gosta de sair com o namorado, frequentar restaurantes, ir à praia e dançar. “Diferente de muitas trans, eu tenho um relacionamento muito tranquilo. Ele me respeita e me assume de tudo”, constata.

Sobre seu futuro, a mulher de cabelos longos e fortes enfatiza: “Meu maior medo agora é não ter minha independência. Me vejo daqui uns anos formada em Recursos Humanos, no trabalho que eu quiser. E para todas as trans, gostaria que o mercado de trabalho fosse mais aberto, sem discriminação e preconceito”, conclui.

Edição: Monyse Ravena | Fotos: PH Reinaux