Rose Correa: saúde, comunidade e o combate à violência

A agente de saúde Rosângela Correa conta sua hostória: "em cada casa que eu vou sou um instrumento para a mudança"

Por Rute Pina, de São Paulo (SP)

A paulistana Rosângela Correa, de 52 anos, conhece cada rua da Favela do Miolo e Cohab Educandário, comunidades localizadas na zona Oeste de São Paulo (SP). Com uma prancheta e um formulário, ela visita todos os dias sete ou mais casas para checar se está “tudo bem”.

São 160 famílias que ela acompanha mensalmente como agente comunitária da Unidade Básica de Saúde (UBS) Jardim São Jorge. Há três anos, Rose, como todos a chamam, exerce a profissão no bairro onde mora há mais de duas décadas.

“Eu acredito que, por a gente morar no mesmo local e vivenciar a mesma realidade, as pessoas têm confiança em você, escutam o seu conselho. Elas se sentem amadas, cuidadas. E isso é muito importante. Isso gera saúde”, diz, orgulhosa do ofício.

A relação de cuidado com o bairro não é recente. Para ficar mais próxima de suas filhas no dia a dia, passou olhar as crianças do bairro cujas mães precisavam trabalhar. “Já criei quase metade das crianças do bairro. Algumas que hoje já estão até casadas”, conta.

Trajetória

Rose explica o tom de mulher negra de pele clara: filha de mãe baiana; os avós maternos, um homem negro baiano e uma mulher branca russa. Já ela, nasceu na capital paulista onde viveu toda a vida.

Ela começou a trabalhar aos 11 anos como babá e fazendo faxinas. O primeiro registro na Carteira de Trabalho veio quando um emprego temporário como vendedora passou a ser sua ocupação de muitos anos.

Neste período, conheceu seu primeiro marido, com quem teve duas filhas. O casamento, porém, durou apenas três anos.

Em 1992, aos 27 anos, saiu de casa após episódios de violência doméstica e abuso do marido. “Fugi de casa por causa das minhas filhas. Eu pensei, qual o futuro que eu vou dar para elas? Como vou criar minhas filhas em um lugar com tanta violência?”, lembra.

Com a nova reconfiguração familiar, teve que voltar a trabalhar como copeira. É neste momento também que começa sua história com o bairro, quando se cadastra em um programa de habitação da Prefeitura e vai morar na Cohab Educandário.

Dividindo seu tempo com o cuidado de crianças e um trabalho voluntário na Igreja Adventista, Rose percebeu que gostaria de atuar ajudando pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Foi como considerou o trabalho de Agente Comunitária de Saúde (ACS), iniciativa que surge na década de 1980 em algumas áreas do Nordeste, Distrito Federal e São Paulo para o criar alternativas para o atendimento primário em comunidades e criar canais de interlocução entre governo e comunidade. Atualmente, a iniciativa integra a Estratégia de Saúde da Família.

Trabalhando como ACS, ela notou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). “A gente lida com pessoas de comunidade que, muitas vezes, não têm dinheiro nem para se alimentar. E aqui tem uma farmácia onde as pessoas pegam remédios gratuitos para diabetes, pressão alta, para o coração, medicação para crianças, por exemplo”, disse.

Combate à violência doméstica

Ao mesmo tempo que foi gratificante, a nova profissão também veio cheia de desafios e surpresa. “Não tinha ideia de tudo o que iria se deparar no início”, pontua.

Falta de saneamento básico, conflitos familiares, vacinação de crianças e até acompanhamento escolar. “Tudo inclui saúde: se a pessoa não se sente bem, se tem o que comer, se ela se sente feliz. Tudo isso a gente passa nas visitas”, explica.

Esta atuação ampla das agentes comunitárias também permite que elas sejam grandes aliadas no combate à violência doméstica.

Por ser canal direto de diálogo, e pessoas que elas se identificam, muitas mulheres aproveitam o momento com as agentes para fazer denúncias.

“Eu aprendi isso no decorrer da minha vida, vivi muitas mudanças e aprendi que a gente tem essa necessidade de falar e ouvir. Eu tive essa necessidade de ser entendida e agregada dentro da sociedade por ser separada, por ser mulher”, explica a agente de saúde.

Quando se deparam com episódios de violência doméstica, a Defensoria Pública e outros órgãos são acionados e os casos também são encaminhados para os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), compostos de equipes multiprofissionais, como nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais. “A gente tenta cuidar das feridas externas e internas dessas mulheres”, sinaliza Rose.

Por ter sofrido um episódio de violência, Rose enxerga limitações na Lei Maria da Penha e na Delegacia da Mulher para lidar com a realidade do bairro. “Ser mulher no Brasil é difícil, ainda tem várias questões de luta que está em andamento. Eu não digo que a mulher tem que ser mais do que o homem, ou o homem ser mais que a mulher. Eu acredito que a mulher quer chegar a uma igualdade e nós precisamos ser tratadas de maneira igual”, disse.

Sem os termos de quem militou pelo feminismo, mas com a percepção de quem vivenciou a desigualdade, Rose questiona a diferença salarial entre gêneros e a objetificação da mulher na sociedade.

“Não pode haver um olhar de menosprezo, olhar para a mulher com uma coisa menor. A gente precisa ser vistas de maneira diferente. Não como um pedaço de alguma coisa. Nós somos mulheres, precisamos ser respeitadas, amadas, ouvidas”, reflete.

Nos corredores da UBS Jardim São Jorge, Rose é cumprimentada com entusiasmo pelas colegas de profissão – 31 das 32 agentes comunitárias de saúde são mulheres na UBS Jardim São Jorge.

Depois do expediente, ela gosta de parar para conversar com as colegas. É por meio da brincadeira e risos com as companheiras que faz do trabalho, que tem uma carga emocional grande, mais leve.

“Eu me sinto muito feliz em saber que minha vida hoje é diferente e que hoje eu sou um instrumento em cada casa que eu vou, cada visita que eu faço, para a mudança”, resume.

Edição: Simone Freire