Decisões judiciais desfavoráveis a trabalhadores que movem ações na Justiça do Trabalho têm despertado a atenção de especialistas e entidades que acompanham o tema no Brasil. No último dia 7, uma sentença dada por uma juíza do Mato Grosso condenou um vendedor a pagar R$ 750 mil de indenização ao ex-patrão, que ele processava na Justiça sob a acusação de irregularidades trabalhistas.
Na ação, o ex-funcionário avaliava a causa em R$ 15 milhões. Tendo o pedido negado, a juíza o condenou a pagar 10% do valor. A vice-presidenta da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noêmia Porto, destaca que esse tipo de resultado já era anunciado e que compromete a relação dos trabalhadores com o sistema de Justiça.
“Inibe, intimida e amedronta no acesso ao Poder Judiciário trabalhista. Estamos vendo aquilo que já se previa durante o processo legislativo: um imenso problema de acesso ao Judiciário do Trabalho”, afirma.
A ação movida pelo vendedor tramitava desde 2016, antes da votação da reforma trabalhista, que foi aprovada no Congresso em julho do ano passado. Na decisão, a Justiça considerou que o intervalo de quatro meses entre a aprovação da nova legislação e a entrada das novas regras em vigor seria tempo suficiente para o vendedor reavaliar os riscos do processo.
A advogada trabalhista Camila Gomes aponta que a lei não pode retroceder para prejudicar o trabalhador. Esse entendimento constitui um dos princípios fundamentais do Direito. Ela acrescenta que sentenças como essa pioram o contexto de insegurança jurídica criado pela reforma aprovada pelo governo Michel Temer (MDB) em 2017.
“É muito grave. Significa que as leis no Brasil estão valendo pouco. Na verdade, é quase uma punição por ter acionado a Justiça. Isso deixa o cidadão sem ter pra onde recorrer”, ressalta.
Não há, no país, um levantamento a respeito do número de processos que tenham se encerrado com uma penalização para o trabalhador, mas, nos últimos meses, outros casos semelhantes ganharam repercussão pelo país.
Em dezembro, apenas um mês após a vigência da reforma trabalhista, uma ex-funcionária de banco foi condenada, no Rio de Janeiro, a pagar R$ 67,5 mil de honorários ao antigo empregador, que era acusado, entre outras coisas, de não pagar horas extras.
Apesar de destacar o direito à liberdade de interpretação por parte dos juízes diante da nova lei, a vice-presidenta da Anamatra acrescenta que tais decisões reforçam a necessidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliar a reforma trabalhista. A entidade aguarda uma decisão da Corte sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5766, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na ação, que tem a Anamatra como figura “amiga da Corte” – uma espécie de terceiro que intervém no processo para reforçar ou acrescentar uma argumentação –, a PGR questiona o trecho da reforma que trata do acesso à Justiça por parte do trabalhador.
Tal qual a PGR, a entidade aponta que os dispositivos que trazem a possibilidade de o trabalhador arcar com diferentes tipos de honorários são inconstitucionais. O Artigo 5º da Constituição Federal prevê que o Estado deve garantir assistência jurídica gratuita aos cidadãos que não podem arcar com os custos processuais.
A vice-presidenta assinala que o entendimento está relacionado ao “princípio da universalidade da jurisdição”, previsto inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Datado de 1948, o documento tem o Brasil como um dos Estados signatários.
“A Constituição Federal brasileira nada mais faz do que, como em todos os países democráticos ocidentais, confirmar esse princípio”, destaca.
A Adi 5766 foi distribuída para o ministro Luís Roberto Barroso, que não apreciou o pedido liminar. Ele liberou o processo para a pauta da Casa, o que sugere que o plenário poderá decidir sobre o tema.
Edição: Juca Guimarães