O modelo de previdência que o prefeito João Doria (PSDB) quer implementar em São Paulo já passou por dificuldades em, pelo menos, três dos oito estados onde foi efetivado.
O projeto de Doria, que abandonará a prefeitura em abril para concorrer ao governo do estado nas eleições de outubro, é criar um fundo de previdência pública baseada em capitalização, o que já é realidade em cerca de 200 municípios brasileiros e nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal.
Além de aumentar a contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%, com adicional de até 5%, a depender da faixa salarial, o prefeito tucano pretende criar dois novos segmentos para a Previdência Municipal de São Paulo (Iprem): o Finan e o Funprev.
O primeiro vai integrar os atuais servidores, aposentados e pensionistas e permaneceria funcionando na atual lógica do sistema de repartição. Ou seja, as contribuições dos servidores ativos custeiam os benefícios de quem está aposentado ou é pensionista.
Já o Funprev vai abrigar todos os servidores que entrarem no cargo a partir da aprovação da reforma. Neste fundo, as contas serão individuais e a reserva será capitalizada em um fundo de investimento controlado por uma fundação chamada SampaPrev — nome pelo qual o Projeto de Lei 621/2016 ficou conhecido.
Para Fernanda Castro, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), "se já há um sério problema com relação à entrada e saída [de recursos] hoje, isso tende a piorar porque você deixa de ter entrada novas dos novos trabalhadores. Esse déficit, então, se mantém e se intensifica. Temos alguns exemplos de estados que fizeram segmentação de massas e voltaram atrás".
Dificuldades
Aplicadas em outras localidades, medidas similares à proposta de Doria esbarraram na dificuldade de pagar os servidores que permaneceram no sistema antigo e os governos tiveram que criar mecanismos para transferir recursos de um fundo a outro.
O caso mais emblemático é o do estado de Minas Gerais. Em 2013, o governo de Antônio Anastasia (PSDB) extinguiu o Fundo de Previdência de Minas Gerais (Funpemg) e transferiu R$ 3 bilhões do órgão para o Fundo Financeiro de Previdência, cujo déficit era superior a R$ 8 bilhões.
O Distrito Federal não chegou a extinguir o fundo, mas teve que reformular seu modelo. Em setembro de 2017, a Câmara Legislativa do Distrito Federal votou pela fusão dos recursos do Fundo Financeiro com o DFprev (fundo capitalizado), criando o Fundo Solidário Garantidor.
Segundo a Caixa Econômica Federal (CEF), se os fundos permanecessem como estavam, em 2035 o DFprev teria R$ 45 bilhões intactos, enquanto o Fundo Financeiro teria déficit de R$ 7,5 bilhões.
Em agosto de 2017, Sergipe também fundiu recursos do Fundo Financeiro Previdenciário de Sergipe (Finanprev) e do Fundo Previdenciário do Estado de Sergipe (Funprev) para sanar dificuldades com o pagamento de aposentadorias e diminuir os aportes feitos pelo Estado. Ainda assim, o governo só conseguiu manter em dia o pagamento dos benefícios por dois meses e voltou a atrasar os repasses.
Fernanda Castro explica que, como o novo fundo não terá saída imediata — já que os novos servidores, em tese, levam algumas décadas para começar a se aposentar — o Funprev nasce superavitário; enquanto a arrecadação do Finam será decrescente.
"O orçamento público é sempre muito justo. Normalmente, não tem dinheiro que fica sobrando. Quando se cria o Funprev, na prática, o que você faz é pegar um dinheiro que poderia ser receita — e que poderia ser gasto com a aposentadoria e pensão — e aplica esse dinheiro", ponderou.
Capital financeiro
Na opinião de Castro, o sistema financeiro é um dos setores interessados na capitalização do sistema previdenciário. "Eu acho que o interesse do capital financeiro, das instituições financeiras e dos bancos é muito grande, por princípio, porque você está tirando dinheiro que estaria em fluxo e está deixando ele parado, para se investir", destacou.
O Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) afirma que o estudo do PL 621 foi encomendado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Sérgio Antiqueira, diretor da entidade, ressalta que "os bancos estão doidos para pegar isso. Eles emprestam a juros altíssimo e devolvem uma quantia de rentabilidade pequena. É um dinheiro certo. Você arrebenta de vez o sistema que era solidário e, depois que está tudo feito e os bancos já lucraram, não tem como voltar".
Ele lembra que, somente em 2005, o sistema próprio dos servidores públicos passou a ser contributivo. Este fator é essencial para explicar o que a Prefeitura chama de rombo na previdência — em 2017, o valor pago em aposentadorias foi de R$ 8 bilhões.
"Antes de 2005, a Prefeitura usava dinheiro do Iprem, que era superavitário, para pagar empréstimos. E ela ficou com o dinheiro e não pagou. Ou seja, o sistema já chega com uma dívida. Com o tempo, se você tem ao longo da década um desinvestimento no serviço público e no funcionalismo, você quebra, desequilibra", afirmou.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Comunicação (Secom) da Prefeitura e também com a assessoria de imprensa da Febraban por e-mail e por telefone, mas não obteve resposta até a publicação.
Mobilização
Nesta terça-feira (20), os servidores públicos voltam a se manifestar na Câmara Municipal de São Paulo, onde está prevista mais uma rodada de discussão e votação do PL. Também haverá uma assembleia para decidir sobre o prosseguimento da greve.
Edição: Thalles Gomes