Pesquisa recente apontou que 70% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobrás, enquanto 78% são contra o capital estrangeiro na companhia.
Talvez por isso a atual direção da Petrobras evite usar a palavra “privatização”.
Sob o eufemismo “parcerias e desinvestimentos”, o plano estratégico tem a meta de privatizar US$ 34,7 bilhões de ativos da estatal entre 2015 e 2018.
As privatizações têm sofrido questionamentos na Justiça e no Tribunal de Contas da União (TCU).
Em março de 2017, a Petrobras divulgou que “adaptou o seu programa de desinvestimentos à sistemática aprovada pelo TCU”.
A adaptação teve resultado sobre as vendas em andamento e não surtiu efeito sobre os projetos cujos contratos de compra e venda já haviam sido assinados.
A posição do TCU é contraditória, apesar de apontar os desvios dos processos de privatização em curso permitiu que aqueles em fase avançada fossem concluídos sem nenhum reparo.
Do mesmo modo, o TCU e os vários órgãos de controle se omitem em relação à política de substituição do monopólio estatal da Petrobras por monopólios privados, o que é absolutamente vedado pela Constituição, em seus artigos 170 e 173, §4º.
E, na medida em que a Petrobras vem sendo fatiada, os agentes econômicos privados tendem a buscar o lucro máximo por negócio, majorando os custos ao consumidor, o que restringe ainda mais o já pífio crescimento do mercado interno.
Dos projetos que puderam ser concluídos, destacamos a venda de 90% da participação acionária na Nova Transportadora do Sudeste (NTS), da Petroquímica Suape e Citepe e da Liquigás, esta última recentemente impedida pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Dos projetos de privatização encerrados e que foram destinados a reavaliação para compor a nova carteira, destacamos a cessão dos direitos de campos terrestres, de concessões em águas rasas nos Estados de Sergipe e Ceará, nos campos de Baúna e Tartaruga Verde e a alienação de
participação acionária da BR Distribuidora que recentemente foi concluída por meio de oferta pública de ações.
O comunicado da Petrobras sobre a adequação a sistemática exigida pelo TCU registra, em nota, que “não inclui parcerias estratégicas”.
“Parcerias estratégicas”
Diante das restrições para aceleração das privatizações decorrentes da sistemática exigida pelo TCU a alta direção da Petrobras passou a formar estratégicas parcerias.
Por meio da parceria com a francesa Total vendeu 22,5% (do total de 65% que possui) da concessão de Iara e outra de 35% (dos 45% que possui) no campo de Lapa.
Em fato relevante a Petrobras informa que o acordo envolve US$ 2,2 bilhões.
Em entrevista coletiva Pedro Parente explicou que “conversamos com a área técnica do TCU e trata-se de parceria estratégica e não desinvestimento”.
Então ficamos assim, desinvestimento não é privatização e parceria estratégica não é desinvestimento?
É evidente que o resultado da parceria é a privatização sem respeitar as regras estabelecidas com o TCU.
Para o Chairman e CEO da Total, Patrick Pouyanné, “com a concretização da Aliança Estratégica com a Petrobras, que acontece após a recente decisão de investimento para o desenvolvimento em larga escala do campo gigante de Libra, operado pela Petrobras e no qual a Total é parceira, a Total consolida sua presença no Brasil, em uma das bacias mais prolíferas do mundo, tendo como diferencial a sua expertise em águas profundas. Estamos particularmente satisfeitos por sermos a primeira major a operar um campo em produção no pré-sal brasileiro”.
Pouyanné declarou também que “pretendemos continuar fortalecendo a nossa Aliança Estratégica com a Petrobras através do compromisso de intensificar a nossa cooperação técnica em operações, pesquisa e tecnologia, e desenvolver novas sinergias entre as duas empresas”.
Em setembro de 2017, a Petrobras e a chinesa CNPC firmaram Memorando de Entendimento para iniciar tratativas referentes a uma parceria estratégica.
Em outubro de 2017, a Petrobras assinou uma carta de intenções com a inglesa BP para identificar e avaliar conjuntamente oportunidades de negócio, envolvendo ativos ou empreendimentos no Brasil e no exterior.
O documento prevê cooperação nas áreas de exploração & produção, refino, transporte e comercialização de gás, GNL, trading de petróleo, lubrificantes, combustível de aviação, geração e distribuição de energia, renováveis, tecnologia e iniciativas de baixa emissão de carbono, visando o desenvolvimento de uma potencial aliança estratégica entre as companhias.
Em dezembro foi a vez da norte americana ExxonMobil, com o qual a Petrobras firmou consórcio para exploração de seis blocos offshore na Bacia de Campos.
Ainda em dezembro de 2017, Petrobras e Statoil assinam contratos relacionados à parceria estratégica. Acordo envolve cessão de 25% da participação da Petrobras no campo de Roncador, pelo valor total de US$ 2,9 bilhões.
Até o momento foram firmados memorandos, acordos e contratos sob a bandeira das “parcerias estratégicas” com cinco multinacionais, a francesa Total, a chinesa CNPC, a inglesa BP, a estadunidense ExxonMobil e a norueguesa Statoil.
As parcerias permitem a privatização dos ativos industriais e das concessões de petróleo e gás da Petrobras, sem seguir o regramento acordado com o TCU e descumprindo a legislação brasileira.
Conclusão
Estamos diante de uma política deliberada da atual direção da Petrobras de violar a legislação existente sobre venda de ativos de empresas estatais.
Essas “parcerias estratégicas” com alienação de ativos da Petrobras são juridicamente nulas, dada a ausência de licitação pública, como determina o Plano Nacional de Desestatização e o artigo 29 da Lei 13.303/2016, que não inclui venda de ativos de sociedade de economia mista como caso para dispensa de licitação pública.
A legalidade, a isonomia e a impessoalidade são os princípios estruturantes de qualquer licitação pública.
Não apenas a Constituição (artigo 37), mas a legislação específica reitera estes princípios, como a Lei nº 8.666/1993, dentre outras.
A impessoalidade determina, entre outros deveres, o de que a Administração Pública esteja proibida expressamente de discriminar quem quer que seja sem fundamento legal, ou seja, todos devem ser tratados igualmente perante a Administração.
Do mesmo modo, a legislação é explícita ao vedar qualquer tipo de preferência ou distinção sem fundamento no ordenamento jurídico, visando frustrar justamente o caráter competitivo do procedimento licitatório.
Afinal, o fundamento da ideia de licitação é o da competição, sem privilégios entre os concorrentes.
No sistema constitucional brasileiro, a licitação é a regra e a dispensa de licitação é a exceção.
O pressuposto da licitação é justamente a competição, como possibilidade de acesso de todos e quaisquer agentes econômicos capacitados.
E isto vem sendo reiteradamente violado com a atuação da Petrobras nas “parcerias estratégicas”, nas quais a direção da estatal simplesmente escolhe diretamente com quem vai estabelecer a parceria, portanto dirige a venda de seus ativos para um comprador já previamente determinado.
Sob a Constituição de 1988, as empresas estatais, como a sociedade de economia mista Petrobras, estão subordinadas às finalidades do Estado.
A legitimação constitucional, no caso brasileiro, desta iniciativa econômica pública, da qual as sociedades de economia mista constituem exemplos, se dá pelo cumprimento dos requisitos constitucionais e legais fixados para a sua atuação.
Os objetivos das empresas estatais estão fixados por lei, não podendo furtar-se a estes objetivos.
Devem cumprí-los, sob pena de desvio de finalidade.
Para isto foram criadas e são mantidas pelo Poder Público.
A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, devendo estar acima, portanto, dos interesses privados.
A Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1976), se aplica às sociedades de economia mista, desde que seja preservado o interesse público que justifica sua criação e atuação (artigo 235).
O seu artigo 238 também determina que a finalidade da sociedade de economia mista é atender ao interesse público, que motivou sua criação.
A sociedade de economia mista está vinculada aos fins da lei que autoriza a sua instituição, que determina o seu objeto social e destina uma parcela do patrimônio público para aquele fim.
Não pode, portanto, a sociedade de economia mista, por sua própria vontade, utilizar o patrimônio público para atender finalidade diversa da prevista em lei, conforme expressa o artigo 237 da Lei das S.A.
O objetivo essencial das sociedades de economia mista não é a obtenção de lucro, mas a implementação de políticas públicas.
A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas).
A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista em particular, não tem apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”, mas tem essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado.
Portanto, fica evidente que as sociedades de economia mista, como a Petrobras, estão constitucional e legalmente vinculadas aos fins definidos nas suas leis instituidoras, não havendo possibilidade jurídica de utilizarem o seu patrimônio, por sua própria vontade ou do governante de plantão, para atender a outras finalidades, comprometendo, inclusive, a sua própria continuidade e atuação como ente da Administração Pública Indireta do Estado.
As chamadas “parcerias estratégicas” não passam de uma forma de burlar as condicionantes constitucionais e legais de atuação da Petrobras, privilegiando determinados agentes econômicos privados, geralmente estrangeiros, escolhidos a dedo, sem nenhuma forma de concorrência
pública, em clara violação às determinações impostas pelos órgãos de controle da Administração, como o TCU.
A partir de 1º de janeiro de 2019, o novo presidente eleito precisa revogar todas as medidas privatistas e antinacionais que estão sendo tomadas por Michel Temer e a atual direção da Petrobras.
As multinacionais estrangeiras que se beneficiam desta alienação devem ser tratadas como receptadoras de bens vendidos de forma ilegal e o patrimônio estatal devidamente recuperado para o bem de todos os brasileiros.
Gilberto Bercovici é professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Felipe Coutinho é engenheiro químico e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
Edição: Redação