Mulheres e famílias de bairros periféricos em Santarém, no estado do Pará, podem contar com o apoio de dois grupos do movimento pelo parto humanizado para que mães e bebês sejam melhor assistidos na hora de nascer.
Ambos grupos existem há menos de um ano e já fortalecem a compreensão das famílias e profissionais da saúde sobre o que é violência obstétrica, a diferença entre os tipos de parto e qual deles é o melhor para cada mulher, de acordo com cada caso.
Carla Martins, uma das fundadoras do Grupo Roda Família Gestante Moira, informa que se trata de “um coletivo de mulheres, na verdade, entre amigas, e nós fomos nos organizando e vendo que as informações que nós trocávamos enriqueciam muito a segurança daquela que ia parir, daquela que já pariu.”
Já o grupo Nascer em Santarém está ligado à UFOPA, a Universidade Federal do Oeste do Pará. Para Emanuele Sacramento, professora do curso de Direito da UFOPA e coordenadora do projeto, “as nossas atividades têm sido estabelecidas principalmente no sentido de promover a educação popular em direitos humanos para as pessoas que estão correlacionadas com essa temática da violência obstétrica, tanto gestantes quanto profissionais relacionados a essa área ou outras pessoas que estejam interessadas no tema.”
Muitas gestantes participam das trocas de experiências e informações que o Nascer em Santarém realiza nos bairros. É o caso de Eluane Pedroso, que está na décima sexta semana de gestação e é moradora do bairro São Cristóvão. “Muitas grávidas não sabiam da informação, eu por já ser mais nova, por ter mais contato com a internet, com as leis, por estar sempre bem informada, eu já sabia disso: que a gestante tem o direito de uma acompanhante, se ela está sentindo dor, se ela quiser gritar, ela pode gritar, que não tem problema nenhum”, destaca.
Violência obstétrica
A pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado, divulgada pela Fundação Perseu Abramo, verificou que, no Brasil, uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica. Entre essas violações está um rol extenso de intervenções físicas desnecessárias, além de agressões verbais e a não permissão da presença do acompanhante durante o parto, que é um direito previsto em lei.
Os dados da Fundação Perseu Abramo são de 2010, mas continuam sendo referência para estudos e trabalhos sobre parto humanizado e violência obstétrica no Brasil. A carência de estatísticas recentes demonstra também o quanto ainda é preciso avançar no sentido de dar maior visibilidade ao tema.
Nesta linha, a pesquisa “Nascer no Brasil”, coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), constatou que 46% dos partos no Brasil foram realizados por cesária, sendo que esse número chega aos 88% se computarmos apenas os realizados na rede privada de saúde. Ou seja, faz-se muito mais cesarianas no Brasil do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que serie entre 10% a 15%. Os dados da pesquisa Nascer no Brasil são baseados em entrevistas realizadas com mais de 23 mil mulheres entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012.
Para Yasmin Moura, integrante do Grupo Roda Moira, “a cesárea é uma cirurgia de médio porte e aumenta em quatro vezes o risco de complicações que podem levar à morte da mãe ou do bebê, quando comparada ao parto. A cesárea pode salvar vidas também, mas, se for mal indicada, serve apenas para roubar da mulher o direito de parir e, quase sempre, o direito da criança de nascer no tempo natural do seu desenvolvimento.”
Humanização
Moura acredita que “humanizar o parto é também munir a gestante de informação que possibilite avaliar os riscos envolvidos entre o parto e a cirurgia cesariana.” Ela destaca que “o pré-natal bem assistido incentiva a gestante, de risco habitual, a optar pelo parto, que pode ser natural ou normal, e que é mais seguro para a mãe e o bebê quando comparado à cirurgia.”
Agente Comunitária de Saúde no bairro de São Cristóvão, periferia de Santarém, Adriana Pedroso participou de rodas de conversas promovidas pelo Grupo Nascer em Santarém com as gestantes.
Para Pedroso, o trabalho também precisa ser feito com profissionais de saúde. "Acho que precisa também capacitar esses profissionais, realmente dizer o que é parto humanizado, explicar, ter uma rodada de conversas que nem se tem com a grávida, porque quando ela chegasse lá, que o profissional de saúde fosse capacitado, eu acho que isso mudaria, seria realmente parto humanizado", afirma.
As atividades, oficinas e rodas de conversas têm acontecido nas Unidades Básicas de Saúde, na universidade e no Parque da Cidade. Carla Martins, do Grupo Roda Moira, conta como é a dinâmica. “Nós propomos um tema, aí a gente divulga o que vai ser falado, nós estudamos o tema, dentro do que preconiza a OMS, o Ministério da Saúde, estudos de evidência científica e no dia a gente faz uma explanação, conversa um pouco. Não é nem dez minutos de fala e já começam as conversas, já começam as mulheres, as famílias a perguntarem, a darem seus exemplos, aí começa o intercâmbio, a troca", explica.
Emanuele Sacramento, do Nascer em Santarém, ressalta o quanto é necessária essa troca: "diversas mulheres que participam nesse momento sequer tinham ouvido falar de violência obstétrica e algumas vezes elas já tiveram outras gestações e não sabiam que tinham sido vítimas de violência obstétrica. Então tem esse primeiro impacto, para nós e também para as participantes.”
A gestante Eluane Pedroso, que participa das rodas de conversa em Santarém, reconhece que já está mais segura sobre o assunto. “Pra mim, um parto humanizado é o neném nascer na hora certa, você esperar todas aquelas contrações, você sentir tudo que tem pra sentir.”
O grupo Nascer em Santarém tem como objetivo realizar a médio prazo pesquisa sobre a situação de partos e nascimentos no município.
Edição: Thalles Gomes