DIREITOS HUMANOS

Artigo | Façamos a memória andar na Argentina

As políticas de direitos humanos no país sul-americano 42 anos após o golpe que deu inicio à última ditadura

|
Novamente, os argentinos tomaram as ruas exigindo justiça após 42 anos do golpe que deu início à ditadura mais sangrenta do continente
Novamente, os argentinos tomaram as ruas exigindo justiça após 42 anos do golpe que deu início à ditadura mais sangrenta do continente - Resumen Latinoamericano

Eu sempre digo que a memória nos ajuda a entender o presente e a construir novos caminhos. Como sobreviventes da ditadura militar na Argentina temos a responsabilidade de transmitir às gerações futuras não apenas o vivido durante esse período de terror, perseguição, desaparecimentos, exílio, prisão, tortura e modelo econômico neoliberal excludente, mas também a necessidade de entender porque se chegou nessa situação em que as liberdades democráticas dos povos foram submetidas pela violência e o totalitarismo foi imposto.

O que aconteceu na Argentina não foi um fato isolado no continente, onde a Doutrina de Segurança Nacional dos Estados Unidos e a Operação Condor foram implementadas. Hoje, 42 anos depois do golpe militar, temos que analisar onde estamos, o que está acontecendo com as políticas de direitos humanos em nosso país e no continente.

Não é preciso uma leitura muito aprofundada para ver sérios retrocessos impulsionados pelo atual governo argentino: eles fecham escolas, desmontam hospitais, aumentam a inflação, as demissões de trabalhadores/as, aumentam a pobreza e a fome agora e no futuro porque nos estão endividando no exterior a níveis insustentáveis como continuadores do mesmo modelo neoliberal da ditadura.

Antes do aumento lógico dos conflitos sociais, a resposta foi incentivar mais repressão das forças de segurança, e mais perseguição e encarceramento político dos opositores por pensar de maneira diferente, como denunciaram a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos), e acaba de denunciar a Anistia Internacional. Como se isso não bastasse, eles têm criado a “doutrina Chocobar” de matar primeiro e perguntar depois, e continuam insistindo em dar o beneficio da prisão domiciliar aos condenados por crimes contra a humanidade como Astiz e Etchecolatz. Parece que, para este governo, a vida não vale, ou pelo menos, a vida de alguns.

Eu poderia continuar apontando as violações dos direitos humanos e dos povos feitas pelos governo nacional e os provinciais, mas o principal é que depois de muito tempo conseguimos juntar critérios, vontade e força para enfrentar a violência do Estado e a perda de direitos do povo. 

Precisamos da unidade na diversidade, deixar de lado os partidarismos medíocres e procurar o consenso de todos os setores sociais, políticos, culturais e religiosos. Precisamos construir mais espaços para reflexão crítica e construção social, para conhecer o país que queremos e para onde estamos indo.

O desafio é grande, pensando no que acontece no continente. Os golpes de Estado estão avançando na região com novas modalidades: golpes parlamentares, judiciais e midiáticos. Estamos vivendo um processo de recolonização contra a qual devemos resistir, gerando mídia alternativa para enfrentar a imprensa canalha que procura denigrir e acusar os opositores sociais, sindicais, políticos para justificar um sistema de dominação.

Tenhamos em mente que a democracia e os direitos humanos são valores indivisíveis. Se os direitos humanos forem violados, as democracias serão enfraquecidas e o caminho para o totalitarismo será aberto. Temos pela frente desafios para superar e construir um novo amanhecer para o nosso povo. Não vamos esquecer o que semeamos.

Esse 24 de março nos mobilizamos por mais Memória, Verdade e Justiça, porque são 30 mil mortos, foi um genocídio e dizemos Nunca Mais.

 

*Nobel da Paz de 1980 e presidente do Servicio Paz y Justicia.

Edição: Página 12 | Traducción: Pilar Troya