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Aceita trocar uma tarefa doméstica por uma leitura feminista?

Na zona Norte de São Paulo, grupo artístico composto por mulheres busca refletir sobre a realidade das donas de casa

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Livros como "Mulher, Raça e Classe" e "Quarto do Despejo" estão entre as leituras levadas para donas de casa
Livros como "Mulher, Raça e Classe" e "Quarto do Despejo" estão entre as leituras levadas para donas de casa - Coletiva ELAS
Na zona Norte de São Paulo, grupo artístico composto por mulheres busca refletir sobre a realidade das donas de casa

Todo dia, Patrícia Pereira Lima, de 47 anos, divide a rotina dela entre as tarefas domésticas, os cuidados com a filha, de 10 anos, e a administração das finanças do negócio que sustenta a família. Patrícia e o marido são trabalhadores autônomos em transporte escolar. Ele, porém, passa a maior parte do dia fora de casa, além de fazer faculdade à distância.  

A moradora da Vila Aurora, no bairro do Jaraguá, distrito da Zona Norte de São Paulo, é responsável por praticamente todas as tarefas do lar, assim como a maioria das brasileiras. "Na rotina do dia a dia, realmente é uma correria. A gente faz muita coisa em casa, além de ter que administrar essa coisa financeira de receber o pagamento e dar baixa em ficha. É muita coisa para fazer e não sobra muito tempo para eu mesma", conta.

A rotina de Patrícia ficou um pouco diferente quando recebeu a visita do projeto "Cuidando de Casa", realizado pela Coletiva ELAS. Ela é uma das cinco mulheres que participaram da ação. 

A ideia é oferecer às donas de casa da zona Norte da cidade trabalhos domésticos, como fazer comida, lavar roupa, limpar um ou mais cômodos da casa e passar a roupas, em troca de um tempo para a leitura de algum texto sobre mulheres. Enquanto a leitura do livro é feita pela dona de casa, as mulheres da Coletiva realizam o serviço doméstico. 

São livros como Mulher, Raça e Classe (1981), de Angela Davis e O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, que refletem sobre diferentes realidades das mulheres pelo Brasil e pelo mundo. No caso de Patrícia, a leitura escolhida foi A cor púrpura (1982), de Alice Walker. 

O jogo performático faz parte de uma das etapas do projeto M.U.L.H.E.R, contemplado pelo VAI, o Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo, em 2017. O objetivo é que essas experiências sirvam de inspiração e treinamento corporal para o espetáculo que está sendo produzido pela Coletiva e utilizará linguagem de teatro e dança.   

"É muito interessante porque a gente acaba colocando muitas mulheres para conversar: as atrizes da coletiva, as mulheres que estão lendo o texto e essas outras mulheres que escreveram e discutiram essas questões em seus momentos, em seus tempos. Acabamos criando essa conversa de múltiplos discursos e vivências, o que é bem interessante para a gente também", conta Vanessa Gonçalves, uma das integrantes.

Cenário desigual

Mesmo depois de décadas de luta das mulheres por igualdade, elas continuam sendo as responsáveis pela maior parte do trabalho doméstico. De acordo com um levantamento divulgado pelo IBGE no início de março, as mulheres brasileiras trabalham, em média, oito horas a mais do que os homens semanalmente nos afazeres domésticos ou no cuidado de familiares. 

A região Sudeste do país, que abarca a cidade de São Paulo, onde a Coletiva ELAS desenvolve o projeto, coincidentemente é a segunda região com maior diferença de horas trabalhadas entre homens e mulheres, perdendo apenas para o Nordeste brasileiro. 

Projetos como o jogo performático “Cuidando de casa” buscam ser um ponto fora da curva ao refletir sobre essa realidade. 

"A nossa tentativa não é a de levar as mulheres para movimentos feministas ou algo do tipo, mas de criar formas e espaços de compartilhamentos de ideias, angústias e saberes. A nossa vontade é de saber que essas mulheres, que são na maioria da mesma geração que as nossas mães e que vivem na periferia como nós, o que elas estão pensando sobre ser e existir mulher", explica Gonçalves. 

Para Patrícia, a ideia pode surtir efeito ao despertar as mulheres para a importância de terem tempo e espaço para si mesmas. "Tem outras mulheres que acho que, às vezes, esquecem um pouco delas e não arranjam nem um tempinho para nada. Chega de noite, ela vai cair na cama, cansada, esgotada de todas as tarefas que ela teve durante o dia. Isso talvez dê uma luz para essas mulheres descobrirem que podem tirar um tempinho para elas, uma hora, duas horas do dia, para fazer uma coisa que elas gostem - ou ler, ou pintar, uma ginástica (...)". 

A performance cênica que será criada através dessa experiência nos lares de diferentes mulheres já tem algumas datas de apresentação confirmadas. A estreia acontece no dia 19 de maio, na Escola Municipal Brigadeiro Raimundo Dyott Fontenelle, no Jaraguá. Já a segunda apresentação esta marcada para o dia 20 de maio, na Ocupação Artística Canhoba, em Perus. 

Se você, mulher, também quer participar dessa experiência, ainda dá tempo. Basta entrar em contato com a Coletiva ELAS através do número (11) 98651-4838. O contato também pode ser feito através das redes sociais da Coletiva ELAS

Edição: Camila Salmazio