As lembranças são as únicas provas que camponeses e indígenas têm das torturas sofridas durante o período da guerrilha do Araguaia, exterminada durante o governo da ditadura militar no Brasil. Os depoimentos estão registrados em gravações e agora a Comissão Estadual da Verdade do Pará retoma o trabalho para elaboração do relatório final.
Angelina Anjos, diretora de Cidadania e Direitos Humanos do Instituto Paulo Fonteles, explica que a Comissão registrou 500 depoimentos entre camponeses, indígenas e militantes moradores de Belém, que sofreram violações durante o governo militar. Com esse material o próximo passo da Comissão é a identificação dessas pessoas que deram seus relatos e assim criar uma espécie de ABC das vítimas.
“Nós vamos identificar as vítimas da ditadura no Pará para que essas pessoas possam de alguma forma ter suas reparações, não só financeiras, mas o reconhecimento do Estado brasileiro de que elas foram vítimas e um pedido de desculpas”, completa.
A produção do relatório final estava sendo encaminhado pelo presidente do Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos e membro do Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça, Paulo Fonteles Filho, mais conhecido por Paulinho. Com o falecimento prematuro aos 45 anos no dia 26 de outubro de 2017, a redação do documento fica a cargo de Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (SP) e um dos colaboradores da Comissão Nacional da Verdade nas pesquisas sobre os crimes contra indígenas no período do regime militar.
O presidente da Comissão, deputado estadual Carlos Bordalo (PT-PA), que também preside a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), afirma que um convênio está sendo firmado com o Departamento de História da Universidade do Estado do Pará (Uepa) para acelerar o processo de mapeamento. Ele conta que o acervo coletado pela Comissão é enorme e todo esse material é importante para formação política do país e porque revela os danos que o governo militar causou na sociedade.
“É importante a gente revelar os fatos históricos para que as pessoas não se enganem com determinadas inverdades que estão sendo vendidas nas redes sociais. É preciso conhecer os efeitos danosos para a formação social, cultura política, para a liberdade de pensamento, liberdade de organização e é por isso que nós consideramos essencial retomar o trabalho da comissão e concluí-lo”, reforça.
O presidente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia (ATGA), Sezostrys Alves da Costa, diz que há 1200 associados, entre sobrevivente e familiares das vítimas. Ele conta que a associação “conseguiu a indenização para pouco mais de 100 pessoas ao longo de mais de 12 anos de luta”. Na última sessão de julgamento, realizada no dia 22 de março, dos 25 requerimentos de anistia protocolados juntos ao Ministério da Justiça, que solicitam o reconhecimento do Estado como perseguidos políticos, apenas 6 foram deferidos.
“Eles só vão conceder se a pessoa conseguir comprovar que de fato foi perseguido e a gente se depara com uma situação que não existe documento, não existe arquivo que possa comprovar aquilo que ocorreu lá na década de 70 durante o período da guerrilha”.
A guerrilha do Araguaia, criada por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi o primeiro núcleo rural de combate ao governo militar. Instalada desde 1966 na região do Bico do Papagaio, ao longo do rio Araguaia, que banha os estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará, foi dizimada em 1974.
Costa espera que o relatório da Comissão Estadual da Verdade do Pará possa servir de base e registro o registro oficial do que aconteceu na guerrilha do Araguaia. A previsão é que o relatório seja concluído até meados de setembro.
Edição: Katarine Flor