Começou, na manhã desta quinta-feira (5), em Fortaleza, o julgamento de cinco dos 12 acusados de assassinar cruelmente a travesti Dandara dos Santos, 42, em março do ano passado. O caso teve repercussão mundial especialmente por conta da brutalidade do crime.
Na ocasião, a travesti foi fortemente agredida com murros, pedradas e pauladas. Em seguida, ela foi morta a tiros. Além disso, as cenas foram filmadas pelo celular, em plena luz do dia, e divulgadas na internet.
A presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais Intersexos (ABGLT), Symmy Larrat, destaca que o caso é considerado emblemático para os movimentos que lutam por igualdade de direitos por conta da crueldade e pela referência direta à intolerância.
Ela acrescenta, no entanto, que a sociedade brasileira ainda não teria aprendido a interpretar os casos de LGBTs que sofrem algum tipo de violência.
“Há o enfrentamento de uma narrativa na sociedade de que nós somos frutos do pecado ou da imoralidade. Isso faz com que as pessoas acreditem que a violência que a gente sofre fomos nós provocamos por sermos quem somos”, desabafa.
Entre os 12 acusados do crime, quatro são adolescentes e atualmente cumprem medidas socioeducativas. Dois estão foragidos e o outro ingressou com recurso junto o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) alegando ausência de provas para incriminá-lo, por isso apenas cinco vão a júri popular nesta quinta. O julgamento deve se estender até a madrugada.
Segundo explica o promotor de Justiça titular do caso, Marcus Renan, como ainda não existe, no Brasil, a tipificação legal do crime de homofobia, eles serão julgados por homicídio triplamente qualificado. No caso, foram considerados três agravantes: motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima.
“O sentimento homofóbico entra na qualificadora da torpeza, do motivo torpe, mas não existe [tipificação] como existe no feminicídio e na Lei Maria da Penha”, complementa.
De acordo com ele, a expectativa é de que os réus sejam condenados por conta das provas do crime. A pena pode chegar a 30 anos de prisão.
Na 1ª Vara do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua, onde o promotor atua, outros três casos de assassinatos de membros da comunidade LGBTT estão em tramitação. Marcus Renan destaca que, como não existe o reconhecimento legal do crime de homofobia, a invisibilidade dos casos começa nos órgãos que lidam com a notificação criminal.
“As polícias judiciárias nos estados não computam ou não cadastram como crime homofóbico. Se você fizer uma pesquisa nas delegacias de polícia, não consta lá cadastrado como crime de homofobia”, acrescenta o promotor.
Projeto de lei
Tramita atualmente na Câmara Federal o Projeto de Lei (PL) nº 7292, da deputada Luizianne Lins (PT-CE), que propõe a alteração do Código Penal para inserir o LGBTcídio como circunstância qualificadora do homicídio.
A proposta inclui também esse tipo de ocorrência na lista dos crimes considerados hediondos. Atualmente, o PL aguarda votação na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
Brasil
Por conta da ausência de tipificação, a contagem dos assassinatos costuma ser feita por organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais.
No ano passado, por exemplo, o Grupo Gay da Bahia (GGB) contabilizou 445 homicídios de LGBTs em todo o Brasil, contra 343 no ano de 2016 – um aumento de 30%. No caso de pessoas trans e travestis, como Dandara dos Santos, o aumento foi de 6%.
Além disso, segundo a entidade, a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou comete suicídio vítima de LGBTfobia. A estatística coloca o Brasil no topo da lista mundial de mortes com essa característica, passando até mesmo de países do Oriente e da África onde há pena de morte para LGBTs.
Para a coordenadora-executiva da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da Prefeitura de Fortaleza, Dediane Sousa, que acompanha o caso da travesti Dandara, o combate à cultura do ódio e à homofobia é fundamental na luta para frear os homicídios.
Ela acrescenta que o poder público precisa ter uma atuação incisiva nesse processo.
“Ele tem o papel de ser interlocutor das pautas políticas dos movimentos sociais perante a administração pública e também de promover a visibilidade massiva dessa população. Quando se trata de assassinatos, o compromisso é muito maior. É de articular junto aos movimentos para que esses casos não fiquem impunes”, finaliza.
Edição: Juca Guimarães